sábado, 24 de novembro de 2018

Tragédia carioca exposta em jornais



Tragédia que marcou a família de Nelson Rodrigues:

Exposta à vergonha pública pelo jornal “Crítica”, do pai do dramaturgo Nelson Rodrigues, a escritora Sylvia Serafim Thibau foi pessoalmente à redação e deu cabo do ilustrador Roberto Rodrigues – irmão de Nelson. O dono do jornal morreu meses depois, de desgosto, mas a desgraça não acabou por aí…

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A ira de Sylvia foi incitada por uma matéria que o “Crítica” publicou naquele dia, expondo o caso extraconjugal que a escritora mantinha com o médico Manuel Dias de Abreu – tornado famoso não só pela repercussão do crime, mas também por ter descoberto um tipo de radiografia que possibilitou o diagnóstico da tuberculose, a abreugrafia, batizada assim em sua homenagem. Sylvia era casada com outro médico, João Thibau Jr., tinha dois filhos e frequentava o “ambiente literário”.

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Na época, Manuel Abreu achou que poderia usar os raios X para dar um jeito nos pelos das pernas da amante, e acabou causando queimaduras que a deixaram furiosa. Ela quis processá-lo, exigindo uma indenização de 30 mil réis, mas o marido pediu que não o fizesse, para evitar falatório. A essa altura, a pulga atrás da orelha de João Thibau Jr. já havia dado sinais suficientes de que a mulher o estava traindo.

Os dois chegaram à conclusão de que deveriam se desquitar, e tudo se deu amigavelmente. Como ambos frequentavam a sociedade carioca, chamaram Sylvia na redação do “Crítica” para dar uma entrevista sobre os detalhes da separação. Ela, porém, pediu ao repórter para não publicar nada. Ele concordou – mas já havia deixado o jornal quando, por um ruído na comunicação, e contra a vontade do próprio Mário Rodrigues, que estava em casa, mandaram para as rotativas um texto com as “causas ocultas” do rompimento. A matéria teve o efeito de uma bomba na cidade. Desatinada, Sylvia tentou se matar, mas seus pais a impediram a tempo, e então ela saiu de casa dizendo que ia espairecer. Em vez disso, entrou na loja Espingarda Mineira, comprou a arma e rumou para o jornal.

Presa em flagrante depois de atirar em Roberto, Sylvia sofreu um ataque ainda mais devastador do “Crítica”, que se referia a ela como “literata do mangue” e “cadela das pernas felpudas”. Aguardado com ansiedade pela opinião pública, seu julgamento, em 22 de agosto de 1930, levou dois dias e foi o primeiro no Brasil a ser transmitido pelo rádio.

O advogado de defesa, Clóvis Dunshee de Abranches, alegou que Sylvia havia se descontrolado por causa da publicação de um texto difamatório a respeito de um assunto de foro íntimo. Abranches levou mais de uma hora em sua argumentação, mas o promotor Alex Gomes de Paiva não deu a tréplica. Reunido por mais de uma hora na madrugada de sexta-feira para sábado, o júri decidiu absolver Sylvia por 5 votos a 2. Gomes de Paiva não apelou da sentença.

Depois da morte de Mário e Roberto, os sobreviventes da família Rodrigues ainda conseguiram levar o “Crítica” por quase um ano, mas então veio a Revolução de 30. Detrator implacável de Getúlio Vargas, que ascendia ao poder, o jornal acabou sendo invadido, empastelado e destruído por simpatizantes do regime. Começava aí a derrocada financeira da família.


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O resto da vida de Sylvia não foi muito melhor. Ao longo do tempo, ela deu fartas demonstrações de que gostava de viver perigosamente. Passado o evento policialesco, ela se envolveu com um tenente-coronel da Aeronáutica chamado Armando Menezes, de quem engravidou e teve um filho batizado Ronald (Rohny). Sentindo-se “sufocado” por ela, Armando logo arranjou uma transferência para Curitiba e abandonou a mãe de Rohny. Na sequência, Sylvia teve prisão decretada pela segunda vez, quando a flagraram usando documentos falsificados para se matricular em uma faculdade de Direito. Receando um novo escândalo, a estelionatária fugiu para Curitiba.

Instalada em um hotel localizado no centro da cidade, ela procurou o pai de seu filho para retomar o relacionamento – mas ele a rechaçou. Transtornada, tentou pela segunda vez o suicídio, cortando os pulsos. Fracassou. De volta ao Rio, e graças aos antecedentes criminais, ela foi presa preventivamente na enfermaria da casa de detenção de Niterói, no litoral fluminense. Ali, aos 33 anos, ela finalmente conseguiu pôr fim à própria vida, esvaziando um vidro do barbitúrico Veronal.

Quem a encontrou já sem vida foi Rohny, que tentou desesperadamente “acordá-la”. O garoto foi entregue ao diretor da casa de detenção, Alvaro Martins, até que o encaminharam aos cuidados do pai. A tragédia de 1929 influenciou dramaticamente a temática dos textos Nelson Rodrigues. O tom funesto, a perversidade e a sordidez são características marcantes em sua obra. Na premiadíssima “Vestido de Noiva”, por exemplo, Nelson recria a cena do velório do irmão. Se não dá para louvar a atitude de Sylvia, e já que a atrocidade foi consumada, há de se reconhecer que forneceu material para o gênio em formação:

“Meu teatro não seria como é, e eu não seria como sou, se não tivesse sofrido na carne e na alma, se não tivesse chorado até a última lágrima de paixão a morte de Roberto”, disse o dramaturgo.

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