domingo, 30 de dezembro de 2012

Como começou o Réveillon em Copacabana



O réveillon nas areias de Copacabana 
surgiu nos salões do Copacabana Palace.


Réveillon antigo, com os fogos sobre a areia.



Queima de fogos atual, a partir do mar



O empresário Ricardo Amaral resolveu incrementar a festa que produzia no hotel - 1981 - com uma queima de fogos na rua. Para financiar a ideia, usou a boa relação com a família Guinle, então proprietária do hotel.

Nessa primeira edição, em 1981, cerca de 500 pessoas lotaram o Golden Room para assistir à queima de fogos em frente ao Copa. No ano seguinte, a festa se estendeu ao terraço e ao salão nobre, de onde quase 1.200 espectadores viram os fogos. Houve um patrocínio e o foguetório aconteceu também no Leme, onde o empresário Mario, da churrascaria Marius, se somou à empreitada, e no Posto 5.

Em 1983, a festa já começou a atrair a cidade para lá.

Conhecido como o rei da noite carioca, Amaral se encarregou da festa até 1988, quando a prefeitura assumiu a organização do evento. Mas os fogos eram colocados nas areia em cercadinhos, próximos ao público sem nenhuma segurança. A partir de 2001, foram colocados em balsas no mar e, desde então, outras tecnologias vêm se somando para causar mais impacto e inovação.

Também se somou a essa nova festa, em 1987, a cascata de fogos do extinto Hotel Méridien, que parou de acontecer em 2002, face a insegurança que tal espetáculo provocava e que sempre contrariou as norma do Corpo de Bombeiros.

Imagem relacionada  Resultado de imagem para cascata do hotel meridien



Aliás, as praias do Rio na virada do ano eram dos devotos de Iemanjá. Eles, através de sua crença proporcionavam lindo espetáculo que atraía muita gente para vê-lo. Montavam desde cedo barracas, cercados de flores - geralmente palma de santa rita - e nesses terreiros faziam seus cânticos, batuques, agradecimentos, preces. Faziam atendimento ao público e quando a noite chegava aqueles cercados - e eram muitos ao longo de toda a praia - acendiam as velas, fazendo desenhos nas areias. Isso acontecia não só em Copacabana. As praias de maior presença dos cultos da Umbanda à Iemanjá eram Copacabana, Flamengo, Praia da Bica , na Ilha do Governador e Praia Vermelha.. Muitos centros de umbanda, no entanto, preferiam as cachoeiras, onde existe o ritual até hoje.

Copacabana era o local mais procurado para se ir ver esses rituais que se transformavam em espetáculos. Ao longo da praia surgia um desenho singular de luzes e do branco dominante das roupas das mães de santo e seguidores. À meia-noite todos os centros e seus participantes entravam no mar para suas oferendas e surgia um novo espetáculo de cores, barcos enfeitados e muitas flores.

Na verdade, réveillon na praia era isso. Era ver esse tempo de devoção, que transformava as praias cariocas em templo. Era um espetáculo belíssimo.




Com o surgimento dos fogos, em 1981, o espaço para a prática religiosa foi tirado e o foco se tornou a queima de fogos.



A todos os leitores do blog

FELIZ ANO NOVO!


sábado, 29 de dezembro de 2012

O Ano Novo no Rio de Janeiro do final do século XIX



Este texto foi escrito pelo historiador José Alexandre Melo Morais Filho no ano da Abolição, em 1888. Conta-nos hábitos e costumes dos festejos de Ano Novo daqueles tempos.
Faz parte do livro "Festas e Tradições Populares do Brasil", prefaciado por Sílvio Romero (1851-1914) e publicado em 1901.







"...No Rio de Janeiro a folia começava de véspera. A cidade, mais animada exteriormente pelo concurso de famílias e de indivíduos ambulantes, revelava o júbilo público, que se ostentava sem reserva. 
Em qualquer praça, em qualquer rua, quem olhasse as janelas, notaria fisionomias estranhas, caras novas, que pela maneira de apresentar-se, pela compostura, tornava-se distintas de muitas que lá estavam, apreciando o mesmo objeto, entretidas pelo mesmo assunto. 
Nas intermináveis galerias de sacadas, janelas de peitoril e postigos, viam-se moças toucadas de flores naturais ao lado de algumas que não as tinham, homens vestidos de brim branco conversando com amigos trajados como para as recepções íntimas, velhas folgazãs e gritadeiras falando para as vizinhas de defronte, crianças traquinas e arrenegadas trepando nas grades de ferro das sacadas, suspendendo dos espigões as maçanetas de chumbo das extremidades, que, às vezes, lhes escapando das mãos, machucavam-lhes os pés.. 
E o que eu queria dizer?
Eram as famílias que tinham chegado da roça para passar o Ano Bom com os parentes, convidando-os para a Véspera de São João em seus sítios e fazendas.
Aquelas cujas relações não iam além da corte, reuniam-se igualmente, completando o aspecto pitoresco dessa cena, mais ou menos populosa, segundo os tempos em que esses costumes eram de rigor.
Com antecedência, já os presentes de festas principiavam a chover, e a escravatura a fazer-se interessada na felicidade de seus senhores.
E as tradições consolidavam as bases da família, e o reinado das superstições iluminava-se da esperança.
O dia de Ano Bom era a época em que os membros de uma mesma família congregavam-se. Vindo por vezes de grandes distâncias, passavam juntos, no meio do prazer e das felicitações, até depois de Reis.
Para despontar o Ano Novo, ninguém dormia antes da meia-noite, pois era da crença popular, que quem se conservasse com os olhos abertos até depois daquela hora, veria romper a aurora do ano seguinte.
Então concluídas as magníficas ceias, as cantorias ao Menino em seu presepe, no fim da pilhérias dos velhos matutos, de diálogos extravagantes, os inocentes namoros ferviam nas salas, ao diapasão do barulho dos pratos que se lavavam nas cozinhas, das rascadas das senhoras com as negras, do ressonar dos meninos estirados nos sofás e nas cadeiras da sala da frente, à espera do Ano-Novo.
Quando o relógio batia meia-noite, uma onda marulhosa de alegria espraiava-se pela assembléia, ao passo que as mucamas, os molecotes, as crias em fraldas de camisas, penduravam-se às sacadinhas da escada que deitava para o quintal, pasmados de nada descobrir, mas com os olhares fitos nas trevas que amortalhavam o Ano Velho.
- Boas saídas e melhores entradas! Diziam os pais aos filhos, as irmãs aos irmãos, os parentes e amigos entre si, abraçando-se, beijando-se, saltando de contentamento.
Nas casas em que havia bailes, o mesmo costume coroava a tradição, aos sons da música, ao brilho das serpentinas faiscantes, aos risos que corriam límpidos de uns lábios de rosa.
Isso, porém, que prolongava a festa, mudava completamente no dia primeiro. Da manhã à tarde, as visitas faziam-se, desfilavam numerosos portadores de presentes, sendo de preferência contemplados, nas freguesias, o vigário, os médicos e o fiscal.
As bandas militares tocavam às portas e nos saguões das casa dos generais, dos ministros, das pessoas gradas, dando as boas festas; compensando-lhes a atenção alguma cédula avultada ou peças de dinheiro em ouro.
Enquanto nos armazéns de comestíveis o comércio encaixotava dúzias de garrafas de vinho, acondicionava queijos do reino, presuntos, caixas de figos e ameixas, diversos gêneros destinados aos fregueses do ano; enquanto do convento da Ajuda; riquíssimas bandejas de prata, com a firma do indivíduo presenteado, armada de doces, saíam umas após as outras; era curioso de ver-se o que passava nas ruas, entretendo os abelhudos que comentavam dos sobrados.
Por toda parte encontravam-se negros do ganho, de camisa de algodão por fora da calça arregaçada, conduzindo em cestos um leitão de barriga para cima, amarrado de pés e mãos com o focinho apertado com um barbante grosso, guinchando, acercado de galinhas, patos e marrecos, com a cabeça pendente nas beiradas do cesto e enfeitados nas asas com lacinhos de fita. Para contra-peso, o ganhador não deixava de levar um galo ou um peru na mão livre, também enfeitado de fitas estreitas, geralmente verde e azuis.
Ao presente era de praxe acompanhar um cartão de visita de visita ou uma carta, concebida mais ou menos nestes termos:
"...Boas saídas e melhores entradas lhe desejo.Incluso, encontrará vosmecê um leitãozinho, umas galinhas e um peru, para mais um prato do seu jantar..."
Aqui e além apreciam carregadores de caixotes de vinho ou com caixas de açúcar, criados de libré precedendo escravos enviados com dádivas principescas, tais como colchas da Índia, aparelhos da China, baixelas de prata, cavalos de montaria, fazendo contraste com a crioula ou mulata de casa menos rica, que seguia com um pão-de-ló, um bolo inglês, um pastelão numa salva modesta, coberta com uma gaze cor-de-rosa, com um tope de flores artificiais no centro, atravessado por um cartão ou um escrito.
Na Bahia, além de todas essas ofertas, estava nos hábitos darem-se escravos no dia de Ano Bom. Assim, com um molequinho, uma moleca, um casal de negros novos, obsequiava-se os meninos, as moças ou chefes de família.
Naquela província, onde as cadeirinhas estiveram constantemente em uso como meio de transporte, não causava espanto entrarem por uma casa dois negros de casaca de portinholas com vivos amarelos ou vermelhos, de chapéu oleado com galão, calça curta e um pau ao ombro, acompanhando o portador de uma carta que se lia: 
"...Como uma lembrança de Ano Bom, ofereço-lhe essa parelha de negros de cadeia, pedindo desculpa de não ser cousa suficiente..." 
A isso não se limitavam os presentes. Pessoas havia que ofertavam casas e palácios. O paço de São Cristovão foi um presente de Ano Bom, feito pelo negociante Elias Antonio Lopes a dom João VI, que o vendeu ao Estado, quando se retirou para Portugal.
Considerava-se uma grande falta, um crime, a ausência dos parentes mais chegados no jantar da família. Ninguém relevava essa falta, pois acreditava o povo que o que se fazia no primeiro do ano, se faria o ano inteiro.
Daí se depreende que cada um queria estar nesse dia com os seus, que todos vestiam roupa nova, que se brincava, tocava e cantava, a fim de que o conceito popular se realizasse em sua plenitude pressagiosa.
Os escravos, que nunca foram estranhos às alegrias ou desgraças do nosso lar, ganhavam festas, tinham folga, divertiam-se também.
Por ocasião dos banquetes fidalgos ou dos jantares menos opulentos, ao calor dos brindes, ao alarido da canção:
Como canta o papagaio...Como canta o periquito...
Os convivas entusiasmados proferiam longos discursos, os rapazes recitavam colcheias, as moças tímidas e vergonhosas abaixavam os olhos às palavras "amor", "meu bem", refervendo a animação nas saúdes em honra ao mais velhos, à família reunida.
As visitas oficiais e as de amizade faziam-se imprescindíveis. Havia cortejos no paço, os presepes pernoitavam iluminados, e – boas entradas – boas festas – eram moeda corrente de civilidade entre a população.
Depois de certo período, quando o Brasil fez timbre em imitar o estrangeiro no que ele tem de pior, entendeu que, para parecer-lhe bem, cumpria desquitar-se das usanças tradicionais, quando eles mantém intactas. 
Das nossas festas ninguém mais se lembra; os laços de famílias quase não existem; do dia de Ano-Bom, de grandioso e expansivo que era, nem nos restam vestígios!
E em troca de todo esse passado nos impinge a Europa cromo e folhinhas!"





quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Crônica sobre o Ano Novo



Liquidação de Ano Velho
Machado de Assis



Meia hora depois apeava-se Félix de um tílburi à porta de uma casa no Rossio. Subiu lentamente as escadas; a porta do fundo estava aberta; Félix deu uma volta pelo interior da casa, e foi até à sala, sem que o sentisse uma moça, que estava assentada perto da janela, com o rosto voltado para a rua.
— Cecília! disse ele.
A moça estremeceu e voltou-se.
— Ah! és tu. Tão tarde!
Félix aproximou-se, deu-lhe um beijo, e tirou-lhe o livro da mão.
— Tarde? disse ele folheando o livro; não pôde ser mais cedo; tive visitas em casa.
A moça contentou-se com a resposta; levantou-se e pondo-lhe os braços à roda do pescoço, perguntou:
— Jantas hoje com alguém?
— Janto lá em casa.
— Lá em casa? repetiu ela; e por que não cá em casa?
— Não posso.
— Tens visitas?
— Não.
— Jantas só?
— Janto.
— Preferes isso à minha companhia? murmurou enfim a moça com voz triste.
— Cecília, respondeu Félix dando à voz toda a doçura compatível com a rigidez da sua resolução, há circunstâncias que me obrigam a não jantar cá nem hoje nem nunca.
Cecília empalideceu. Félix procurou tranqüilizá-la dizendo que ia explicar-lhe melhor. Insensível às suas palavras, foi ela sentar-se no sofá e aí permaneceu alguns instantes silenciosa. Félix deu alguns passos na sala, aspirou as flores que tinham sido postas numa jarra, naquele mesmo dia, talvez para recebê-lo melhor; acendeu um charuto, e foi sentar-se em frente de Cecília. A moça fitou nele os olhos úmidos de lágrimas. Depois, como se os lábios tivessem medo de romper uma cratera à chama interior, murmurou estas palavras:
— E por que nunca mais?
— Cecília, disse o doutor deitando fora o charuto apenas encetado, eu tenho a infelicidade de não compreender a felicidade. Sou um coração defeituoso, um espírito vesgo, uma alma insípida, incapaz de fidelidade, incapaz de constância. O amor para mim é o idílio de um semestre, um curto episódio sem chamas nem lágrimas. Há seis meses que nos amamos; por que perderás tu o dia em que começa o ano novo, se podes também começar uma vida nova?
Cecília não respondeu; fitava nele os olhos, que, se eram ternos e buliçosos nas horas de alegria, eram naquele momento sombrios e profundos. Félix pegou-lhe na mão. Estava fria.
— Não fiques abatida; o que faço agora não é novidade; ouviste-me dizer muitas vezes que a nossa afeição era um capítulo curto. Rias então de mim; fazias mal, porque era alimentar uma esperança vã.
— Era, interrompeu Cecília com voz trêmula; reconheço agora que era. Esperava, com efeito, que eu pudesse, com a minha constância, resgatar os erros que me pesavam na consciência. Agarrei-me a ti como a uma tábua de salvação; a tábua não compreendeu que salvaria uma vida e deixa-se levar pela onda que arrebata das minhas mãos. Enganei-me. Não te faço recriminações; espero que me farás justiça...
— Faço-te toda a justiça, redargüiu ele, acuso-me eu mesmo de estar abaixo do papel de redentor.
Cecília não prestou atenção ao tom irônico destas palavras, nem sequer as ouviu. Levantou-se, deu alguns passos, encostou-se ao piano e pondo a cabeça entre as mãos soluçou à vontade. Mas essa explosão foi quase silenciosa e durou pouco.
Meia hora depois despedia-se Félix de Cecília, declarando-lhe que saía dali como um gentleman, e que ela receberia os meios necessários para viver até que o esquecesse de todo.
Cecília recusou esse ato de generosidade. Espantou-o imensamente tamanho desinteresse; concluiu que ela teria algum amor em perspectiva.
Saiu.
Na rua do Ouvidor encontrou o doutor Meneses; jovem advogado com quem entretinha relações.
— Vem jantar comigo, disse.
— Não jantas com Cecília?
— Acabei o capítulo; Cecília está livre.
— Houve choro?
— O choro pertence ao cerimonial da separação. Era indispensável. Cecília verteu algumas lágrimas, que eu procurei enxugar prometendo-lhe os meios de viver algum tempo. Recusou; mas eu não lhe aceito a recusa.
— Fizeste mal em separar-te dela; Cecília amava-te.
— Meneses, disse Félix, eu nunca faço mal quando quebro uma cadeia: liberto-me.
— Talvez tenhas razão.
— Mas vem jantar comigo, continuou Félix dando-lhe o braço.
— Não posso, vou jantar com minha mãe.
— Ah!
— São apenas duas horas; passearei contigo até às três. Ou vais para casa?
— Não.
Deram o braço e desceram a rua.
— Se não é indiscrição, Félix, disse Meneses ao cabo de alguns minutos, houve algum arrufo sério entre vocês?
— Não.
— Desconfiavas dela?
— Também não.
— Nem te arrufaste, nem tinhas desconfiança. Sei que ela gostava de ti, e tu mesmo me afirmaste que não era nenhuma desperdiçada. Havia portanto um milheiro de razões para que vocês prosseguissem neste romance. Dar-se-á que tenhas em vista algum casamento?
Félix riu-se e levantou os ombros.
— Então, não compreendo, concluiu Meneses.
— Eu te digo, respondeu Félix; os meus amores são todos semestrais; duram mais que as rosas, duram duas estações. Para o meu coração um ano é a eternidade. Não há ternura que vá além de seis meses; ao cabo desse tempo, o amor prepara as malas e deixa o coração como um viajante deixa o hotel; entra depois o aborrecimento — mau hóspede.
Meneses ouviu as palavras de Félix com os olhos postos no chão; sorriu ligeiramente quando ele acabou.
— Queres ouvir uma coisa? perguntou.
— Dize.
— O teu cinismo parece-me hipocrisia.
— Não é hipocrisia nem cinismo; é temperamento.
— Não creio.
— Por quê?
Meneses não respondeu.
— Quase me arrependo de ser teu amigo, disse ele depois de algum tempo.
— És meu amigo? perguntou Félix com ar de mofa.
Meneses parou e encarou o companheiro.
— Duvidas?
— Não duvido; mas ignorava isso até agora; sabes que as nossas relações datam de pouco tempo.
— Que importa o tempo? Há amigos de oito dias e indiferentes de oito anos.
— Há!
A conversa tomou outra direção. Meneses ainda tentou falar da moça, mas Félix não lhe prestou atenção. Às três horas separaram-se, Félix para as Laranjeiras, Meneses para o Rossio.
Meneses era uma boa alma, compassiva e generosa. Tinha em flor todas as ilusões da juventude; era entusiasta e sincero; estava totalmente limpo da menor eiva de cálculo. Podia ser que com os anos perdesse algumas das suas qualidades nativas, que nem todos resistem a estes dois terríveis dissolventes: os lances da fortuna e o atrito dos caracteres. Mas naquele tempo ainda não era assim.
A situação de Cecília tinha-o comovido. Resolveu ir ter com ela.
Cecília ficara resignada, mas triste. Quando Meneses entrou na sala estava ela ao piano, tinha apoiado a cabeça em uma das mãos, e corria os dedos pelo teclado. Contou-lhe tudo o que se passara; confessou que não esperava a súbita mudança de Félix, que a sua dor fora imensa, e que daria tudo para fazer reviver o recente passado; mas que não nutria nenhuma esperança de reconciliação.
— E se eu tentar fazer alguma coisa?
— Tentará em vão, respondeu ela. Além de que, eu não tenho nenhum direito de prolongar uma felicidade incompatível com a vontade dele. Errei, confiando demais; errarei se tiver ainda uma esperança...
— Quem sabe, Cecília? disse o moço, pondo-lhe a mão no ombro; é possível que Félix tenha cedido a um capricho. Virá a arrepender-se depois, mas o seu orgulho não lhe deixará dar o primeiro passo. Nesse caso uma pessoa influente pode convencê-lo de que a primeira glória é a reparação dos erros.
Cecília levantou os ombros; foi a sua única resposta.
Meneses perguntou se haveria alguma razão de ciúmes.
— Posso jurar-lhe que durante todo este tempo pertenci-lhe exclusivamente.
O juramento de Cecília não devia valer muito aos olhos de um homem que conhecesse bem todos os recursos de uma mulher naquelas condições. Mas o nosso Meneses era ingênuo em coisas tais. Saiu de lá cheio de piedade. Nessa mesma tarde mandou uma carta às Laranjeiras, justamente na ocasião em que Félix acabava de ler outra carta de Cecília. A carta da moça era tranqüila e até certo ponto nobre. Não lhe fazia nenhuma recriminação, nem implorava nenhum favor. Defendia-se apenas, retirando de si a responsabilidade da separação.
A carta de Meneses era cavalheiresca: descobria o estado de alma de Cecília e não hesitava em chamar ingrato ao prófugo dardânio. Félix sorriu lendo ambas as missivas; depois atirou-as a uma cesta e nunca mais as viu.

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Liquidação de Ano Velho, capítulo II do romance Ressurreição, primeiro romance do carioca Machado de Assis, publicado em 1872.


quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Natal em Copacabana


Belo momento do show de Stevie Wonder 
nesse Natal de 2012, 
na praia de Copacabana


domingo, 23 de dezembro de 2012

Tempos de Natal no Rio do século XIX

Nosso hábito de ceia e presentes é tradição que vem de longa data. 

Podemos ver pelas gravuras e relatos de Jean Baptiste Debret, durante sua estadia no Brasil, na primeira metade do século XIX, vários elementos das comemorações de hoje em dia.


"Mulata a caminho do sítio para as festas de natal"
gravura de Debret

"Presentes de Natal"
gravura de Debret

Na gravura acima vê-se retratado o hábito de entrega de presentes e se dirigir à festa. Interessante notar  a entrega de dois presentes de importância diversa: o primeiro, carregado por três homens negros, entrando por um portão, traz a carta de congratulações entre as garrafas de vinho do Porto; a apresentação do segundo, mais modesto e talvez galante, é confiada à inteligência da mulher negra encarregada de entregá-lo num humilde rés-de-chão.
A cena se passa perto do Jardim Público - atual Passeio Público cujo muro, que dá em parte para o Largo do Convento da Ajuda - que naquela época ocupava grande parte da atual praça da Cinelândia no Rio de Janeiro, tendo sido demolido no início do século 20 -  e em parte para o mar, que se percebe ao fundo.


Debret nos conta

...nas imensas propriedades dos ricos que, por vaidade, reúnem numerosa sociedade, tendo o cuidado de convidar poetas sempre dispostos a improvisar lindas quadrinhas e músicos encarregados de deleitar as senhoras com suas modinhazinhas... ...as mulheres ocupam-se de sua toilette para o almoço das dez horas... 
...À uma hora todos se reúnem e se põem à mesa; depois de saborear, durante quatro a cinco horas, com vinhos do Porto, Madeira ou Tenerife, as diferentes espécies de aves, caça, peixes e répteis da região, passam aos vinhos mais finos da Europa. Então o champanha estimula o poeta, anima o músico, e os prazeres da mesa confundem-se com os do espírito, através do perfume do café e dos licores. A reunião prossegue em torno das mesas de jogo; à meia noite serve-se o chá, depois do qual cada um se retira para o seu aposento...
...Dão-se presentes no Brasil especialmente por ocasião das festas de Natal, dia primeiro do ano e de Reis. No dia de Natal...são de rigor os presentes de comestíveis, caça, aves, leitões, doces, compotas, licores, vinhos, etc... 
...Costuma-se renovar na mesma época a roupa dos escravos, o que leva a conceder em geral gratificações aos subalternos... 
...Entretanto, entre as pessoas de posses, os presentes de gosto mais apurado são mandados em bandejas de prata com toalhas de musselina muito finas, pregueadas com arte e presas com laços de fitas cuja cor é sempre interpretativa, linguagem erótica complicada pela adição engenhosamente combinada de algumas flores inocentes... 


FELIZ NATA
A TODOS OS LEITORES DO BLOG!










sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

E será Natal para sempre...

Mais uma crônica que nos fala desse tempo de Natal.
Do mineiro que escolheu as terras cariocas para morar...


Organiza o Natal
Carlos Drummond de Andrade







Alguém observou que cada vez mais o ano se compõe de 10 meses; imperfeitamente embora, o resto é Natal. É possível que, com o tempo, essa divisão se inverta: 10 meses de Natal e 2 meses de ano vulgarmente dito. E não parece absurdo imaginar que, pelo desenvolvimento da linha, e pela melhoria do homem, o ano inteiro se converta em Natal, abolindo-se a era civil, com suas obrigações enfadonhas ou malignas. Será bom.

Então nos amaremos e nos desejaremos felicidades ininterruptamente, de manhã à noite, de uma rua a outra, de continente a continente, de cortina de ferro à cortina de nylon — sem cortinas. Governo e oposição, neutros, super e subdesenvolvidos, marcianos, bichos, plantas entrarão em regime de fraternidade. Os objetos se impregnarão de espírito natalino, e veremos o desenho animado, reino da crueldade, transposto para o reino do amor: a máquina de lavar roupa abraçada ao flamboyant, núpcias da flauta e do ovo, a betoneira com o sagüi ou com o vestido de baile. E o supra-realismo, justificado espiritualmente, será uma chave para o mundo.

Completado o ciclo histórico, os bens serão repartidos por si mesmos entre nossos irmãos, isto é, com todos os viventes e elementos da terra, água, ar e alma. Não haverá mais cartas de cobrança, de descompostura nem de suicídio. O correio só transportará correspondência gentil, de preferência postais de Chagall, em que noivos e burrinhos circulam na atmosfera, pastando flores; toda pintura, inclusive o borrão, estará a serviço do entendimento afetuoso. A crítica de arte se dissolverá jovialmente, a menos que prefira tomar a forma de um sininho cristalino, a badalar sem erudição nem pretensão, celebrando o Advento.

A poesia escrita se identificará com o perfume das moitas antes do amanhecer, despojando-se do uso do som. Para que livros? perguntará um anjo e, sorrindo, mostrará a terra impressa com as tintas do sol e das galáxias, aberta à maneira de um livro.

A música permanecerá a mesma, tal qual Palestrina e Mozart a deixaram; equívocos e divertimentos musicais serão arquivados, sem humilhação para ninguém.

Com economia para os povos desaparecerão suavemente classes armadas e semi-armadas, repartições arrecadadoras, polícia e fiscais de toda espécie. Uma palavra será descoberta no dicionário: paz.

O trabalho deixará de ser imposição para constituir o sentido natural da vida, sob a jurisdição desses incansáveis trabalhadores, que são os lírios do campo. Salário de cada um: a alegria que tiver merecido. Nem juntas de conciliação nem tribunais de justiça, pois tudo estará conciliado na ordem do amor.

Todo mundo se rirá do dinheiro e das arcas que o guardavam, e que passarão a depósito de doces, para visitas. Haverá dois jardins para cada habitante, um exterior, outro interior, comunicando-se por um atalho invisível.

A morte não será procurada nem esquivada, e o homem compreenderá a existência da noite, como já compreendera a da manhã.

O mundo será administrado exclusivamente pelas crianças, e elas farão o que bem entenderem das restantes instituições caducas, a Universidade inclusive.

E será Natal para sempre.



Ah! Seria ótimo se os sonhos do poeta se transformassem em realidade.




Texto extraído do livro "Cadeira de Balanço", Livraria José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1972, pág. 52.



quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Mais uma crônica de Natal

Vale recordar esse texto de Machado de Assis;



Missa do Galo


Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava eu dezessete, ela trinta. Era noite de Natal. Havendo ajustado com um vizinho irmos à missa do galo, preferi não dormir; combinei que eu iria acordá-lo à meia-noite.

A casa em que eu estava hospedado era a do escrivão Meneses, que fora casado, em primeiras núpcias, com uma de minhas primas A segunda mulher, Conceição, e a mãe desta acolheram-me bem quando vim de Mangaratiba para o Rio de Janeiro, meses antes, a estudar preparatórios. Vivia tranqüilo, naquela casa assobradada da Rua do Senado, com os meus livros, poucas relações, alguns passeios. A família era pequena, o escrivão, a mulher, a sogra e duas escravas. Costumes velhos. Às dez horas da noite toda a gente estava nos quartos; às dez e meia a casa dormia. Nunca tinha ido ao teatro, e mais de uma vez, ouvindo dizer ao Meneses que ia ao teatro, pedi-lhe que me levasse consigo. Nessas ocasiões, a sogra fazia uma careta, e as escravas riam à socapa; ele não respondia, vestia-se, saía e só tornava na manhã seguinte. Mais tarde é que eu soube que o teatro era um eufemismo em ação. Meneses trazia amores com uma senhora, separada do marido, e dormia fora de casa uma vez por semana. Conceição padecera, a princípio, com a existência da comborça; mas afinal, resignara-se, acostumara-se, e acabou achando que era muito direito.

Boa Conceição! Chamavam-lhe "a santa", e fazia jus ao título, tão facilmente suportava os esquecimentos do marido. Em verdade, era um temperamento moderado, sem extremos, nem grandes lágrimas, nem grandes risos. No capítulo de que trato, dava para maometana; aceitaria um harém, com as aparências salvas. Deus me perdoe, se a julgo mal. Tudo nela era atenuado e passivo. O próprio rosto era mediano, nem bonito nem feio. Era o que chamamos uma pessoa simpática. Não dizia mal de ninguém, perdoava tudo. Não sabia odiar; pode ser até que não soubesse amar.

Naquela noite de Natal foi o escrivão ao teatro. Era pelos anos de 1861 ou 1862. Eu já devia estar em Mangaratiba, em férias; mas fiquei até o Natal para ver "a missa do galo na Corte". A família recolheu-se à hora do costume; eu meti-me na sala da frente, vestido e pronto. Dali passaria ao corredor da entrada e sairia sem acordar ninguém. Tinha três chaves a porta; uma estava com o escrivão, eu levaria outra, a terceira ficava em casa.

— Mas, Sr. Nogueira, que fará você todo esse tempo? perguntou-me a mãe de Conceição.

— Leio, D. Inácia.

Tinha comigo um romance, Os Três Mosqueteiros, velha tradução creio do Jornal do Comércio. Sentei-me à mesa que havia no centro da sala, e à luz de um candeeiro de querosene, enquanto a casa dormia, trepei ainda uma vez ao cavalo magro de D'Artagnan e fui-me às aventuras. Dentro em pouco estava completamente ébrio de Dumas. Os minutos voavam, ao contrário do que costumam fazer, quando são de espera; ouvi bater onze horas, mas quase sem dar por elas, um acaso. Entretanto, um pequeno rumor que ouvi dentro veio acordar-me da leitura. Eram uns passos no corredor que ia da sala de visitas à de jantar; levantei a cabeça; logo depois vi assomar à porta da sala o vulto de Conceição.

— Ainda não foi? perguntou ela.

— Não fui, parece que ainda não é meia-noite.

— Que paciência!

Conceição entrou na sala, arrastando as chinelinhas da alcova. Vestia um roupão branco, mal apanhado na cintura. Sendo magra, tinha um ar de visão romântica, não disparatada com o meu livro de aventuras. Fechei o livro, ela foi sentar-se na cadeira que ficava defronte de mim, perto do canapé. Como eu lhe perguntasse se a havia acordado, sem querer, fazendo barulho, respondeu com presteza:

— Não! qual! Acordei por acordar.

Fitei-a um pouco e duvidei da afirmativa. Os olhos não eram de pessoa que acabasse de dormir; pareciam não ter ainda pegado no sono. Essa observação, porém, que valeria alguma cousa em outro espírito, depressa a botei fora, sem advertir que talvez não dormisse justamente por minha causa, e mentisse para me não afligir ou aborrecer Já disse que ela era boa, muito boa.

— Mas a hora já há de estar próxima, disse eu.

— Que paciência a sua de esperar acordado, enquanto o vizinho dorme! E esperar sozinho! Não tem medo de almas do outro mundo? Eu cuidei que se assustasse quando me viu.

— Quando ouvi os passos estranhei: mas a senhora apareceu logo.

— Que é que estava lendo? Não diga, já sei, é o romance dos Mosqueteiros.

— Justamente: é muito bonito.

— Gosta de romances?

— Gosto.

— Já leu a Moreninha?

— Do Dr. Macedo? Tenho lá em Mangaratiba.

— Eu gosto muito de romances, mas leio pouco, por falta de tempo. Que romances é que você tem lido?

Comecei a dizer-lhe os nomes de alguns. Conceição ouvia-me com a cabeça reclinada no espaldar, enfiando os olhos por entre as pálpebras meio-cerradas, sem os tirar de mim. De vez em quando passava a língua pelos beiços, para umedecê-los. Quando acabei de falar, não me disse nada; ficamos assim alguns segundos. Em seguida, vi-a endireitar a cabeça, cruzar os dedos e sobre eles pousar o queixo, tendo os cotovelos nos braços da cadeira, tudo sem desviar de mim os grandes olhos espertos.

"Talvez esteja aborrecida", pensei eu.

E logo alto:

— D. Conceição, creio que vão sendo horas, e eu...

— Não, não, ainda é cedo. Vi agora mesmo o relógio, são onze e meia. Tem tempo. Você, perdendo a noite, é capaz de não dormir de dia?

— Já tenho feito isso.

— Eu, não, perdendo uma noite, no outro dia estou que não posso, e, meia hora que seja, hei de passar pelo sono. Mas também estou ficando velha.

— Que velha o que, D. Conceição?

    Tal foi o calor da minha palavra que a fez sorrir. De costume tinha os gestos demorados e as atitudes tranqüilas; agora, porém, ergueu-se rapidamente, passou para o outro lado da sala e deu alguns passos, entre a janela da rua e a porta do gabinete do marido. Assim, com o desalinho honesto que trazia, dava-me uma impressão singular. Magra embora, tinha não sei que balanço no andar, como quem lhe custa levar o corpo; essa feição nunca me pareceu tão distinta como naquela noite. Parava algumas vezes, examinando um trecho de cortina ou concertando a posição de algum objeto no aparador; afinal deteve-se, ante mim, com a mesa de permeio. Estreito era o círculo das suas idéias; tornou ao espanto de me ver esperar acordado; eu repeti-lhe o que ela sabia, isto é, que nunca ouvira missa do galo na Corte, e não queria perdê-la.

— É a mesma missa da roça; todas as missas se parecem.

— Acredito; mas aqui há de haver mais luxo e mais gente também. Olhe, a semana santa na Corte é mais bonita que na roça. S. João não digo, nem Santo Antônio...

Pouco a pouco, tinha-se reclinado; fincara os cotovelos no mármore da mesa e metera o rosto entre as mãos espalmadas. Não estando abotoadas as mangas, caíram naturalmente, e eu vi-lhe metade dos braços, muito claros, e menos magros do que se poderiam supor.

A vista não era nova para mim, posto também não fosse comum; naquele momento, porém, a impressão que tive foi grande. As veias eram tão azuis, que apesar da pouca claridade, podia, contá-las do meu lugar. A presença de Conceição espertara-me ainda mais que o livro. Continuei a dizer o que pensava das festas da roça e da cidade, e de outras cousas que me iam vindo à boca. Falava emendando os assuntos, sem saber por que, variando deles ou tornando aos primeiros, e rindo para fazê-la sorrir e ver-lhe os dentes que luziam de brancos, todos iguaizinhos. Os olhos dela não eram bem negros, mas escuros; o nariz, seco e longo, um tantinho curvo, dava-lhe ao rosto um ar interrogativo. Quando eu alteava um pouco a voz, ela reprimia-me:

— Mais baixo! mamãe pode acordar.

E não saía daquela posição, que me enchia de gosto, tão perto ficavam as nossas caras. Realmente, não era preciso falar alto para ser ouvido: cochichávamos os dois, eu mais que ela, porque falava mais; ela, às vezes, ficava séria, muito séria, com a testa um pouco franzida. Afinal, cansou, trocou de atitude e de lugar. Deu volta à mesa e veio sentar-se do meu lado, no canapé. Voltei-me e pude ver, a furto, o bico das chinelas; mas foi só o tempo que ela gastou em sentar-se, o roupão era comprido e cobriu-as logo. Recordo-me que eram pretas. Conceição disse baixinho:

— Mamãe está longe, mas tem o sono muito leve, se acordasse agora, coitada, tão cedo não pegava no sono.

— Eu também sou assim.

— O quê? perguntou ela inclinando o corpo, para ouvir melhor.

Fui sentar-me na cadeira que ficava ao lado do canapé e repeti-lhe a palavra. Riu-se da coincidência; também ela tinha o sono leve; éramos três sonos leves.

— Há ocasiões em que sou como mamãe, acordando, custa-me dormir outra vez, rolo na cama, à toa, levanto-me, acendo vela, passeio, torno a deitar-me e nada.

— Foi o que lhe aconteceu hoje.

—  Não, não, atalhou ela.

Não entendi a negativa; ela pode ser que também não a entendesse. Pegou das pontas do cinto e bateu com elas sobre os joelhos, isto é, o joelho direito, porque acabava de cruzar as pernas. Depois referiu uma história de sonhos, e afirmou-me que só tivera um pesadelo, em criança. Quis saber se eu os tinha. A conversa reatou-se assim lentamente, longamente, sem que eu desse pela hora nem pela rnissa. Quando eu acabava uma narração ou uma explicação, ela inventava outra pergunta ou outra matéria e eu pegava novamente na palavra. De quando em quando, reprimia-me:

— Mais baixo, mais baixo...

Havia também umas pausas. Duas outras vezes, pareceu-me que a via dormir; mas os olhos, cerrados por um instante, abriam-se logo sem sono nem fadiga, como se ela os houvesse fechado para ver rnelhor. Uma dessas vezes creio que deu por mim embebido na sua pessoa, e lembra-me que os tornou a fechar, não sei se apressada ou vagarosamente. Há impressões dessa noite, que me aparecem truncadas ou confusas. Contradigo-me, atrapalho-me. Uma das que ainda tenho frescas é que em certa ocasião, ela, que era apenas simpática, ficou linda, ficou lindíssima. Estava de pé, os braços cruzados; eu, em respeito a ela, quis levantar-me; não consentiu, pôs uma das mãos no meu ombro, e obrigou-me a estar sentado. Cuidei que ia dizer alguma cousa; mas estremeceu, como se tivesse um arrepio de frio voltou as costas e foi sentar-se na cadeira, onde me achara lendo. Dali relanceou a vista pelo espelho, que ficava por cima do canapé, falou de duas gravuras que pendiam da parede.

— Estes quadros estão ficando velhos. Já pedi a Chiquinho para comprar outros.

Chiquinho era o marido. Os quadros falavam do principal negócio deste homem. Um representava "Cleópatra"; não me recordo o assunto do outro, mas eram mulheres. Vulgares ambos; naquele tempo não me pareciam feios.

— São bonitos, disse eu.

— Bonitos são; mas estão manchados. E depois francamente, eu preferia duas imagens, duas santas. Estas são mais próprias para sala de rapaz ou de barbeiro.

— De barbeiro? A senhora nunca foi a casa de barbeiro.

— Mas imagino que os fregueses, enquanto esperam, falam de moças e namoros, e naturalmente o dono da casa alegra a vista deles com figuras bonitas. Em casa de família é que não acho próprio. É o que eu penso, mas eu penso muita cousa assim esquisita. Seja o que for, não gosto dos quadros. Eu tenho uma Nossa Senhora da Conceição, minha madrinha, muito bonita; mas é de escultura, não se pode pôr na parede, nem eu quero. Está no meu oratório.

A idéia do oratório trouxe-me a da missa, lembrou-me que podia ser tarde e quis dizê-lo. Penso que cheguei a abrir a boca, mas logo a fechei para ouvir o que ela contava, com doçura, com graça, com tal moleza que trazia preguiça à minha alma e fazia esquecer a missa e a igreja. Falava das suas devoções de menina e moça. Em seguida referia umas anedotas de baile, uns casos de passeio, reminiscências de Paquetá, tudo de mistura, quase sem interrupção. Quando cansou do passado, falou do presente, dos negócios da casa, das canseiras de família, que lhe diziam ser muitas, antes de casar, mas não eram nada. Não me contou, mas eu sabia que casara aos vinte e sete anos.

Já agora não trocava de lugar, como a princípio, e quase não saíra da mesma atitude. Não tinha os grandes olhos compridos, e entrou a olhar à toa para as paredes.

— Precisamos mudar o papel da sala, disse daí a pouco, como se falasse consigo.

Concordei, para dizer alguma cousa, para sair da espécie de sono magnético, ou o que quer que era que me tolhia a língua e os sentidos. Queria e não queria acabar a conversação; fazia esforço para arredar os olhos dela, e arredava-os por um sentimento de respeito; mas a idéia de parecer que era aborrecimento, quando não era, levava-me os olhos outra vez para Conceição. A conversa ia morrendo. Na rua, o silêncio era completo.

Chegamos a ficar por algum tempo, — não posso dizer quanto, — inteiramente calados. O rumor único e escasso, era um roer de camundongo no gabinete, que me acordou daquela espécie de sonolência; quis falar dele, mas não achei modo. Conceição parecia estar devaneando. Subitamente, ouvi uma pancada na janela, do lado de fora, e uma voz que bradava: "Missa do galo! missa do galo!"

— Aí está o companheiro, disse ela levantando-se. Tem graça; você é que ficou de ir acordá-lo, ele é que vem acordar você. Vá, que hão de ser horas; adeus.

— Já serão horas? perguntei.

— Naturalmente

— Missa do galo! — repetiram de fora, batendo.

— Vá, vá, não se faça esperar. A culpa foi minha. Adeus até amanhã.

E com o mesmo balanço do corpo, Conceição enfiou pelo corredor dentro, pisando mansinho. Saí à rua e achei o vizinho que esperava. Guiamos dali para a igreja. Durante a missa, a figura de Conceição interpôs-se mais de uma vez, entre mim e o padre; fique isto à conta dos meus dezessete anos. Na manhã seguinte, ao almoço falei da missa do galo e da gente que estava na igreja sem excitar a curiosidade de Conceição. Durante o dia, achei-a como sempre, natural, benigna, sem nada que fizesse lembrar a conversação da véspera. Pelo Ano-Bom fui para Mangaratiba. Quando tornei ao Rio de Janeiro em março, o escrivão tinha morrido de apoplexia. Conceição morava no Engenho Novo, mas nem a visitei nem a encontrei. Ouvi mais tarde que casara com o escrevente juramentado do marido.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Trilhas no Rio de Janeiro


Trilhas cariocas para conhecer e curtir a paisagem!


Parque da Catacumba



A trilha que começa no Parque da Catacumba, perto da Lagoa Rodrigo de Freitas, leva ao mirante do Morro do Sacopã. É uma caminhada leve, que dura apenas 15 minutos e só tem 130 metros de altitude. A trilha passa por uma floresta que está sendo regenerada. O parque ainda oferece atividades como arvorismo, tirolesa e rapel.
Duração: aproximadamente 15 minutos
Idade mínima: 4 anos
Nível de dificuldade (1 a 5): 1


Da Cachoeira das Almas (circuito da Floresta da Tijuca)




Caminhada em um circuito que passa por vários pontos da Floresta da Tijuca até chegar à Cachoeira das Almas. O caminho tem rios, floresta fechada, formações rochosas e muitas palmeiras de palmito Jussara. Ao fim, chega-se à Cachoeira das Almas, único lugar onde o banho é permitido. O percurso pode ser iniciado pelo portão de entrada da Floresta da Tijuca, indo em direção à Cascata Taunay e à Capela Mayrink, passando pelo Centro de Visitantes, onde é recomendável uma parada para apreciar a exposição permanente que conta a história completa do local.
Duração: aproximadamente cinco horas
Idade mínima recomendável: 4 anos
Nível de dificuldade (1 a 5): 2


Circuito das Grutas


O Circuito das Grutas, na Floresta da Tijuca, deve ser feito com guias especializados. Existe um circuito que passa por três grutas da floresta, que fazem parte do sistema espeleológico do Morro do Archer. Ela pode ser iniciada da Praça Afonso Vizeu, com caminhada de aproximadamente uma hora e meia até a Praça da Raiz, onde fica a primeira gruta, que deve ser explorada com uso de lanternas e também técnicas de escalada. Desse ponto podem ser visitadas as grutas dos Morcegos, do Belmiro e do Archer.
Duração: aproximadamente 5 horas
Idade mínima recomendável: 10 anos
Nível de dificuldade (1 a 5): 3


Parque Lage/Corcovado



Localizado no Jardim Botânico, o Parque Lage já foi sede da Fazenda Rodrigo de Freitas e se tornou área pública em 1922. É considerada Reserva da Biosfera pela Unesco. Com floresta nativa exuberante, o parque abriga várias trilhas e, entre elas, uma que leva ao Morro do Corcovado, onde fica o Cristo Redentor. A trilha tem grau de dificuldade pesado e exige esforço físico, já que são duas horas e meia só de subida, num total de 600 metros. O ideal é que a trilha seja feita com um guia. Ao final, há um mirante ao lado dos trilhos do Trem do Corcovado, com vista para a cidade, e é possível comprar bilhete para a entrar no Cristo.
Duração: aproximadamente 7 horas
Idade mínima: 14 anos
Nível de dificuldade (1 a 5): 4



Pico da Tijuca




Localizado na porção central da Floresta da Tijuca, o pico da Tijuca é a montanha mais alta do parque, com 1.022 metros de altura. Para chegar ao seu topo, é preciso subir uma escadaria de 117 degraus talhados na pedra, construída no inicio do século 20 para uma visita do rei Alberto da Bélgica. Do topo é possível apreciar as zonas Sul e Norte da cidade, as praias, a Pedra da Gávea, o estádio do Maracanã, a Baía da Guanabara, além das cidades serranas e Niterói. A trilha tem grau de dificuldade médio e exige bastante esforço físico.
Duração: 6 horas
Idade mínima: 10 anos
Nível de dificuldade (1 a 5): 3


Pico do Caeté



A trilha começa no Parque Municipal Ecológico da Prainha, na Zona Oeste, e segue por dentro da Mata Atlântica até atingir o cume, onde há um mirante com vista para toda a região da Barra da Tijuca, Maciço da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes e a vista da praia. É uma trilha leve, apesar de seguir por um pequeno trecho de desnível, onde é possível observar diversos exemplares de plantas e animais. Um banho de mar após a trilha é ideal para encerrar bem o passeio.
Duração: aproximadamente 5 horas
Idade mínima: 4 anos
Nível de dificuldade (1 a 5): 2


Morro da Urca




A caminhada começa na Pista Cláudio Coutinho, que mede 1,5 km e contorna o sopé do Morro da Urca. Nessa trilha, se a caminhada começar bem cedo, é possível observar pássaros como o tiê sangue, o gavião casaca de couro, e o bem-te-vi, além de saguis-estrela. A trilha começa íngreme, mas as ladeiras se alternam com trechos mais planos. São cerca de 40 minutos de caminhada até o platô, onde podem ser apreciados a baía da Guanabara e o centro do Rio. Por esse caminho, é possível seguir em direção ao Morro da Urca, onde fica o terminal dos bondinhos do Pão de Açúcar. Desse ponto dá para descer pela mesma trilha ou de bondinho, este último após 19h.
Duração: aproximadamente 5 horas
Idade mínima: 4 anos
Nível de dificuldade (1 a 5): 2


Pico do Papagaio



O Pico de Papagaio é a segunda montanha mais alta do Parque Nacional da Tijuca, com 989 metros de altitude, quase 300 metros acima do morro do Corcovado. A caminhada por essa trilha proporciona a vista de quase toda a cidade. Do topo, também é possível ver a Região Serrana do estado. A caminhada começa fácil, por uma trilha plana e bem definida. O trecho segue assim até o colo da montanha, onde a trilha se bifurca e passa a ser bem íngreme, com trechos onde se tem que passar por raízes e pedras, até o topo da montanha, o ponto final da trilha.
Duração: 6 horas
Idade mínima: 10 anos
Nível de dificuldade (1 a 5): 3


Praia do Perigoso


Caminhada que sai da Praia de Guaratiba e vai até as praias do Perigoso e das Conchas. Da praia, é possível subir até o topo da Cabeça da Tartaruga para ver a belíssima vista das duas praias. Nessas praias, é recomendável o mergulho com snorkel – a cem metros da areia, as formações rochosas rendem belas imagens submarinas.
Duração: aproximadamente 5 horas
Idade mínima: 8 anos
Nível de dificuldade (1 a 5): 3


Pedra Bonita



A caminhada até o topo da Pedra Bonita é considerada leve, com duração de 30 minutos, aproximadamente. No cume, há um deslumbrante visual da Zona Sul e da Barra da Tijuca. É uma trilha com subidas, mas relativamente fácil, por isso é possível levar crianças. Próximo ao início dela, fica localizada a rampa de voo de livre, onde é possível observar os praticantes de parapente e asa delta, além de desfrutar de infraestrutura, com banheiro e lanchonete.
Duração: aproximadamente 40 minutos
Idade mínima: 8 anos
Nível de dificuldade (1 a 5): 2



segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Sonetos de Natal






Soneto de Natal
Machado de Assis



Um homem, — era aquela noite amiga,
Noite cristã, berço no Nazareno, —
Ao relembrar os dias de pequeno,
E a viva dança, e a lépida cantiga, 
Quis transportar ao verso doce e ameno
As sensações da sua idade antiga,
Naquela mesma velha noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno. 
Escolheu o soneto... A folha branca
Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,
A pena não acode ao gesto seu. 
E, em vão lutando contra o metro adverso,
Só lhe saiu este pequeno verso:
"Mudaria o Natal ou mudei eu?"



Natal

Olavo Bilac

No ermo agreste, da noite e do presepe, um hino

De esperança pressaga enchia o céu, com o vento...
As árvores: "Serás o sol e o orvalho!" E o armento:
"Terás a glória!" E o luar: "Vencerás o destino!"

E o pão: "Darás o pão da terra e o pão divino!"
E a água: "Trarás alívio ao mártir e ao sedento!"
E a palha: "Dobrarás a cerviz do opulento!"
E o tecto: "Elevarás do opróbrio o pequenino!"

E os reis: "Rei, no teu reino, entrarás entre palmas!"
E os pastores: "Pastor, chamarás os eleitos!"
E a estrela: "Brilharás, como Deus, sobre as almas!"

Muda e humilde, porém, Maria, como escrava, 
Tinha os olhos na terra em lágrimas desfeitos; 

Sendo pobre, temia; e, sendo mãe, chorava. 






domingo, 16 de dezembro de 2012

Olavo Bilac, aniversariante de 16 de dezembro



Resultado de imagem para OLAVO BILAC

Jornalista e poeta  foi membro fundador da Academia Brasileira de Letras e ocupou a cadeira 15, cujo patrono é Gonçalves Dias.
Eleito "príncipe dos poetas brasileiros", pela revista Fon-Fon, em 1907,  o carioca Olavo Bilac, autor de alguns dos mais populares poemas brasileiros, é considerado o mais importante de nossos poetas parnasianos.



O Sonho

Quantas vezes, em sonho, as asas da saudade
Solto para onde estás, e fico de ti perto!
Como, depois do sonho, é triste a realidade! 
Como tudo, sem ti, fica depois deserto!

Sonho... Minha alma voa. O ar gorjeia e soluça.
Noite... A amplidão se estende, iluminada e calma:
De cada estrela de ouro um anjo se debruça,
E abre o olhar espantado, ao ver passar minha alma.

Há por tudo a alegria e o rumor de um noivado.
Em torno a cada ninho anda bailando uma asa.
E, como sobre um leito um alvo cortinado,
Alva, a luz do luar cai sobre a tua casa.

Porém, subitamente, um relâmpago corta
Todo o espaço... O rumor de um salmo se levanta
E, sorrindo, serena, apareces à porta,
Como numa moldura a imagem de uma Santa...


Autor de frases que permanecem, 


A Pátria não é a raça, não é o meio, 
não é o conjunto dos aparelhos econômicos e políticos: 
é o idioma criado ou herdado pelo povo.



crônicas com um olhar atento, Olavo Bilac também é autor da Hino à Bandeira, onde estão os lindos versos 


...Tua nobre presença à lembrança,
 a grandeza da Pátria nos traz. 


Anúncio publicado na revista ‘Fon-Fon!’ ao qual Olavo Bilac empresta seu nome.

 'Tenho a maior satisfação em declarar que, sofrendo de uma bronquite pertinaz, fiquei radicalmente curado com o uso do Bromil. Podem fazer desta carta o uso que lhes convier. Rio, 5 de abril de 1910.'