domingo, 8 de março de 2009

Balangandãs

Uma amiga do RIO QUE MORA NO MAR, Dinéa Silva, que mora na Ilha do Governador, após ler aqui no blog o post sobre a Rua Carmen Miranda, em homenagem ao seu centenário, decidiu escrever ao caderno Globo Ilha.
Coincidência ou não, no dia 1º de março, aniversário da cidade, saiu uma reportagem sobre a rua, que Dinéa me enviou, hoje, por e-mail. Daí, escrevi à reporter e a convidei a ler o post aqui publicado sobre a rua.

Por que estou escrevendo isto? Porque em dado momento do e-mail falei das tantas vezes que passei pelo busto da cantora, naquela rua e "seus balangandãs".

Isto me levou ao belo texto do grande Jota Efegê, publicado no Jornal do Brasil, nos anos 60, que transcrevo abaixo, sobre a estranheza da palavra, em outros tempos. Vale ler ou reler.


"Balangandãs, barangandãs, berenguendéns
Jota Efegê


Os estudiosos do étimo, já que se trata de um vocábulo onomatopaico registram-no em suas variantes: barangandãs, balangandãs, berenguendéns. Sua maior popularização, no entanto, se fez através das duas primeiras formas, que fonética ou graficamente. Diversidade de pronúncia ou de escrita que não inclui nem impede o exato conhecimento da coisa, do objeto.
O termo, estranho, de pouco uso, encontrado talvez algumas vezes nos relatos folclóricos da Bahia, nas narrativas das usanças da Boa Terra, teve — não se pode negar — sua verdadeira divulgação no Rio de Janeiro graças a Dorival Caymmi. Sua composição O que é que a baiana tem?, acertadamente denominada samba típico, descrevia em resposta a frase do título:
Um rosário de ouro,Uma bolota assimQuem não tem balangandãNão vai ao Bonfim.
Houve então, como seria natural, a corrida aos dicionários, aos léxicos, buscando a identificação da palavra inusitada para os cariocas da época. E, graças ao sucesso da canção, em que se aliavam em perfeita consonância versos simples, inteligíveis e música viva, graciosa, afora a interpretação de sua criadora, Carmem Miranda, o termo balangandã ficou em voga durante muito tempo.
Conseqüentemente, no calor da novidade, tudo que era berloque, penduricalho, e mesmo colares, tiveram por extensão, o nome em moda. Até mesmo nos states, quando por lá esteve a chamada "pequena notável", os balangandãs ou barangandãs, lograram popularidade.
Secundando o compositor baiano, que se estreava auspiciosamente na competição melódica carioca, Lamartine Babo, o sempre lembrado Lalá, observador atento do gosto da gente de sua cidade, usou também o termo. Aproveitou a popularização da palavra e fez a marchinha Joujou e Balangandãs na qual em musiquinha fácil travava-se o diálogo brejeiro:
Joujou, joujouQue é, meu balangandã?
Seguia a letra conduzindo a conversação numa simples troca de galanteios ou namorico, já que o fito era o termo em moda na extensão adquirida, fugindo da catalogação dos elucidários léxicos: "barangandã — balangandã — s.m. — coleção de ornamentos de prata (ou ouro) que as crioulas (baianas) trazem pendentes da cintura nos dias de festas, principalmente do Senhor do Bonfim".
A força propagadora do rádio, que de 1937 a 1939 já estava em plena expansão, assim como a inclusão do sambinha típico num filme musical (o Banana da terra), de uma série que o norte-americano Wallace Downey realizou no Brasil, fez crer aos afoitos haver Caymmi descoberto o termo e ter sido ele quem o lançou aqui, entre os cariocas. Não o era. A popularização, o uso correntio inspirado pela canção, de fato, lhe era devido. Quanto ao pioneirismo não lhe cabe a honra. Outros baianos, inovadores de nosso carnaval, transportando para o Rio de Janeiro muito do folclore de sua terra, já haviam trazido como motivo de suas canções o barangandã ou balangandã.
Melhor porém, do que qualquer digressão literária ou explicativa, fará a chamada prova-provada a transcrição de uma notícia publicada no Jornal do Brasil, de 19 de outubro de 1914, relatando um dos domingos da tradicional festa da Penha, então com grande concorrência. Dizia a nota:
"... o arraial, como em nenhum outro domingo, esteve ontem em festa.
Completamente embandeirado, vistosamente ornamentado, o arraial apresentava aquele belo aspecto das grandes festas campestres.
Em todas as direções percorriam-no grupos com a respectiva harmônica, o reco-reco, a viola e a guitarra, tendo por contrapeso dos desafinados cantores, possuindo cada um a tira-colo o respectivo e excelente verdasco.
Grupos pertencentes aos nossos ranchos carnavalescos entoavam lindas marchas e desenvolvendo aquelas manobras complicadas.
Mais ali era uma grande roda, em que trazia ao arraial aquela antiga tradição da festa da Penha.
Como se tornaram agradáveis aos ouvidos de todo os ecos de uma chula como esta:
MestreSeu barangandã, minha nega,É todo feito de ouro
CoroÉ todo feito de ouro!
MestreMexe, quebra, machuca minha nega,Que vales bem um tesouro!
CoroQue vales bem um tesouro.
Ora, imaginem isto acompanhado de pratos, reco-recos, violões, etc..."
Nos idos desse longínquo 1914, quando a fonografia era precária e apareciam as primeiras chapas, fanhosas, sem clareza auditiva, a chula entoada pelos carnavalescos ficou apenas no registro de um ou dos poucos jornais que aqui circulavam. Certamente, nos ranchos, nos redutos da gente baiana, o refrão que exaltava o barangandã "todo feito de ouro" da nega que valia um tesouro, seria bastante conhecido, gozaria de bastante popularidade. Não alcançou, porém, a promoção que, quase trinta anos depois, outra canção apoiada no folclores da terra, trazendo mais uma vez o chocalhante e adornante balangandã ou barangandã.
Mas, se a chula ouvida no arraial da Penha e o samba típico até hoje ainda muito divulgado decantaram o adorno das baianas nas suas roupagens festivas, antes, na sua origem folclórica, ele era encontrado em versos e, possivelmente, com linha melódica e ritmo, pois Mário Sette em seu livro Anquinhas e Bernardas, nos fala de uns que assim rimavam:
"... ou que trazem bicos, rendas, berenguendens e fazendas."
Tem-se pois, que os balangandãs ornamentais aqueles sem os quais as baianas não devem ir aos festejos do Bonfim, alcançou inegavelmente, a sua popularidade entre os cariocas, graças ao samba típico de Caymmi. Não se supunha entrentanto ter sido o conhecido compositor baiano criador do termo.
De origem onomatopaica sugerido pelo chocalhar dos enfeites, Luís Câmara Cascudo nos informa que Beaurepaire Rohan já o registrara no seu Dicionário de vocábulos brasileiros, e Gilberto Freire, em seu Casa grande e senzala, fala que, ao tempo da escravatura, segundo Agostinho Marques Perdigão Malheiro, vestiam-se nossas senhoras à baiana, com tetéias, barangandãs, corações, cavalinhos, cachorrinhos e correntes de ouro. "

(Jota Efegê. "Balangandãs, barangandãs, berenguendéns". Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 15 de agosto de 1963)

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