Antigo hospital psiquiátrico no Rio, está em risco
O centro histórico com obras do século XVIII sofre com degradação
POR LUCAS ALTINO
Aqueduto. Construção do século XVIII é uma das que estão em melhor estado - Hudson Pontes / Agência O Globo
Enquanto recebe investimentos na casa das centenas de milhões para obras de
urbanização e construção de residenciais, a Colônia Juliano Moreira sofre com o
declínio de seu núcleo histórico. O setor, que compreende oito prédios tombados,
não recebeu projetos de revitalização, diferentemente do resto da região. O
resultado é a degradação dessas construções, reconhecidas por especialistas por
seu valor arquitetônico e por retratar um período remoto da cidade.
A colônia tem sete milhões de metros quadrados, o tamanho de Copacabana, e
se notabilizou por abrigar o Hospital Psiquiátrico, gerido pela União. Em 2000,
já com as reformas psiquiátricas em vigor e as mudanças no tratamento de doentes
mentais, foi municipalizada. Os prédios do núcleo histórico, como o
edifício-sede da antiga Fazenda Engenho Novo, que posteriormente funcionou como
pavilhão de internação, os casarões vizinhos e a Igreja da Nossa Senhora dos
Remédios, do século XIX, foram tombados em 1990, pelo Instituto Estadual do
Patrimônio Cultural (Inepac). Já o antigo aqueduto, do século XVIII, é tombado
desde 1938. Recentemente, embora iniciativas tenham sido elaboradas para
revitalizar o conjunto, nada foi feito.
Antes de as verbas do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) chegarem
à colônia, em 2009, o que permitiu o processo de transformação pelo qual passa a
área, um comitê formado por prefeitura, Inepac e Instituto Fiocruz (que possui
instalações no local) concebeu um projeto de requalificação do núcleo histórico.
O plano, porém, não foi à frente.
Abandonados. À direita, antiga sede da Fazenda Engenho Novo, que também
funcionava como pavilhão do hospital; à esquerda, ficava a cozinha. As
construções são do século XIX - Hudson Pontes / Agência O Globo
O arquiteto João Calafate também tentou promover a revitalização do núcleo
histórico. Primeiro, enquanto trabalhava nas universidades Santa Úrsula e PUC,
ele realizou o levantamento histórico do local e criou propostas para ocupação
dos prédios tombados. Entretanto, nada foi aproveitado. Há cinco anos, após
vencer uma concorrência da Secretaria municipal de Habitação, seu escritório, o
Fábrica Arquitetura, foi autorizado a realizar um projeto de arquitetura e
urbanismo na colônia, mas a licitação, explica, não contemplava o núcleo
histórico.
Antiga escola. A construção tombada serviu como colégio na colônia e hoje está com aspecto abandonado, sem manutenção ou reformas - Hudson Pontes / Agência O Globo
Segundo Cêça Guimarães, vice-presidente do Instituto de Arquitetos do
Brasil (IAB-RJ) e membro do Conselho Consultivo de Patrimônio Cultural do
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), as únicas
construções em bom estado são a igreja, que foi recuperada no ano passado, por
iniciativa dos moradores, e o aqueduto, apesar da aparência. O resto, diz, “está
arruinado”.
— Os edifícios mais antigos estão abandonados. É até perigoso que continuem
assim — diz ela, referindo-se a riscos como o de desmoronamento.
Cêça diz que, apesar do tombamento pelo Inepac, o responsável pela área —
no caso, a prefeitura — é que deveria se mobilizar para promover a restauração.
Em termos de importância arquitetônica, ela destaca os referenciais
protomodernistas — edificações mais limpas, com menos adornos, características
do período pré-modernista — e os ecléticos. Para que um projeto de reforma seja
elaborado, a arquiteta frisa que primeiro é preciso prever o uso daquele
conjunto:
— Essa definição é importantíssima. O que poderíamos fazer nesse lugar? É
preciso investimento num processo de restauração bem fundamentado. Acho que
seria preciso consultar a comunidade, formada por pacientes, médicos e
moradores. A aproximação dos usuários locais é o primeiro passo.
Procurada, a prefeitura disse que uma equipe técnica do Instituto Rio
Patrimônio da Humanidade vai ao local avaliar as condições de preservação dos
bens tombados.
Planos de revitalizar a capela
Iracema Polidoro tem laços profundos com o núcleo histórico. Ela conheceu a
colônia quando sua tia foi internada no local, em 1978, e, desde então, lutou
pela reforma psiquiátrica e fundou a Associação de Saúde Mental Juliano Moreira
(Apacojum). Com muitos anos de colônia, viveu de perto a transformação da área e
assistiu ao surgimento de novos edifícios. Mas nada de restauração dos prédios
históricos:
— Hoje isso aqui já é um bairro, foi urbanizado, e chegou muito morador
novo, com o Minha Casa Minha Vida. Mas ninguém define quem é responsável pelas
construções tombadas, se é a prefeitura ou é a Fiocruz.
— Quando a administração era federal, não podíamos fazer muito. Agora que
ela foi municipalizada, conseguimos cobrar mais — afirma Alonso. — Mas, entre as
construções tombadas, só podemos recuperar a capela, por ser a única de
responsabilidade da prefeitura.
A transformação da colônia também agrada a Moisés Ferreira da Silva, que
passou 40 anos internado no Hospital Psiquiátrico, por ser hiperativo. Após
militar pela reforma psisquiátrica e fundar a Apacojum ao lado de Iracema, ele
se mudou para a Taquara, mas costuma visitar os amigos na colônia. Para ele, as
mudanças estruturais na região simbolizam um direito do qual lhe privaram por
grande parte da vida:
— Antes aqui era uma prisão; hoje há liberdade.
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