quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Patrimônio histórico da Colônia Juliano Moreira


Antigo hospital psiquiátrico no Rio, está em risco

O centro histórico com obras do século XVIII sofre com degradação


POR LUCAS ALTINO

 
Aqueduto. Construção do século XVIII é uma das que estão em melhor estado - Hudson Pontes / Agência O Globo

Enquanto recebe investimentos na casa das centenas de milhões para obras de urbanização e construção de residenciais, a Colônia Juliano Moreira sofre com o declínio de seu núcleo histórico. O setor, que compreende oito prédios tombados, não recebeu projetos de revitalização, diferentemente do resto da região. O resultado é a degradação dessas construções, reconhecidas por especialistas por seu valor arquitetônico e por retratar um período remoto da cidade.

A colônia tem sete milhões de metros quadrados, o tamanho de Copacabana, e se notabilizou por abrigar o Hospital Psiquiátrico, gerido pela União. Em 2000, já com as reformas psiquiátricas em vigor e as mudanças no tratamento de doentes mentais, foi municipalizada. Os prédios do núcleo histórico, como o edifício-sede da antiga Fazenda Engenho Novo, que posteriormente funcionou como pavilhão de internação, os casarões vizinhos e a Igreja da Nossa Senhora dos Remédios, do século XIX, foram tombados em 1990, pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac). Já o antigo aqueduto, do século XVIII, é tombado desde 1938. Recentemente, embora iniciativas tenham sido elaboradas para revitalizar o conjunto, nada foi feito.

Antes de as verbas do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) chegarem à colônia, em 2009, o que permitiu o processo de transformação pelo qual passa a área, um comitê formado por prefeitura, Inepac e Instituto Fiocruz (que possui instalações no local) concebeu um projeto de requalificação do núcleo histórico. O plano, porém, não foi à frente.


Abandonados. À direita, antiga sede da Fazenda Engenho Novo, que também funcionava como pavilhão do hospital; à esquerda, ficava a cozinha. As construções são do século XIX - Hudson Pontes / Agência O Globo

O arquiteto João Calafate também tentou promover a revitalização do núcleo histórico. Primeiro, enquanto trabalhava nas universidades Santa Úrsula e PUC, ele realizou o levantamento histórico do local e criou propostas para ocupação dos prédios tombados. Entretanto, nada foi aproveitado. Há cinco anos, após vencer uma concorrência da Secretaria municipal de Habitação, seu escritório, o Fábrica Arquitetura, foi autorizado a realizar um projeto de arquitetura e urbanismo na colônia, mas a licitação, explica, não contemplava o núcleo histórico.



Antiga escola. A construção tombada serviu como colégio na colônia e hoje está com aspecto abandonado, sem manutenção ou reformas - Hudson Pontes / Agência O Globo

Segundo Cêça Guimarães, vice-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RJ) e membro do Conselho Consultivo de Patrimônio Cultural do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), as únicas construções em bom estado são a igreja, que foi recuperada no ano passado, por iniciativa dos moradores, e o aqueduto, apesar da aparência. O resto, diz, “está arruinado”.

— Os edifícios mais antigos estão abandonados. É até perigoso que continuem assim — diz ela, referindo-se a riscos como o de desmoronamento.

Cêça diz que, apesar do tombamento pelo Inepac, o responsável pela área — no caso, a prefeitura — é que deveria se mobilizar para promover a restauração. Em termos de importância arquitetônica, ela destaca os referenciais protomodernistas — edificações mais limpas, com menos adornos, características do período pré-modernista — e os ecléticos. Para que um projeto de reforma seja elaborado, a arquiteta frisa que primeiro é preciso prever o uso daquele conjunto:

— Essa definição é importantíssima. O que poderíamos fazer nesse lugar? É preciso investimento num processo de restauração bem fundamentado. Acho que seria preciso consultar a comunidade, formada por pacientes, médicos e moradores. A aproximação dos usuários locais é o primeiro passo.
Procurada, a prefeitura disse que uma equipe técnica do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade vai ao local avaliar as condições de preservação dos bens tombados.

Planos de revitalizar a capela

Iracema Polidoro tem laços profundos com o núcleo histórico. Ela conheceu a colônia quando sua tia foi internada no local, em 1978, e, desde então, lutou pela reforma psiquiátrica e fundou a Associação de Saúde Mental Juliano Moreira (Apacojum). Com muitos anos de colônia, viveu de perto a transformação da área e assistiu ao surgimento de novos edifícios. Mas nada de restauração dos prédios históricos:

— Hoje isso aqui já é um bairro, foi urbanizado, e chegou muito morador novo, com o Minha Casa Minha Vida. Mas ninguém define quem é responsável pelas construções tombadas, se é a prefeitura ou é a Fiocruz.

— Quando a administração era federal, não podíamos fazer muito. Agora que ela foi municipalizada, conseguimos cobrar mais — afirma Alonso. — Mas, entre as construções tombadas, só podemos recuperar a capela, por ser a única de responsabilidade da prefeitura.

A transformação da colônia também agrada a Moisés Ferreira da Silva, que passou 40 anos internado no Hospital Psiquiátrico, por ser hiperativo. Após militar pela reforma psisquiátrica e fundar a Apacojum ao lado de Iracema, ele se mudou para a Taquara, mas costuma visitar os amigos na colônia. Para ele, as mudanças estruturais na região simbolizam um direito do qual lhe privaram por grande parte da vida:

— Antes aqui era uma prisão; hoje há liberdade.

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