quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Crônicas cariocas de todos os tempos


Um curió

Sergio Bittencourt
janeiro de 1971

" Um passarinheiro me informa: numa praça da Tijuca( que eu não consegui entender direito o nome) reunen-se criadores de curió, nas manhãs de domingo. O homem me fala com a segurança de quem não vê mais nenhum encanto nisso. É um criador de pássaros em dificuldades financeiras terrívieis e, para tratar de ma doença da filha, precisa vender, urgente, um curió e um trinca-ferro.
O trinca-ferro ninguém aguenta. Tem um canto de assobio sistemático demais para se poder guardá-lo dentro do apartamento, num edifício do Leblon, onde as pessoas não se dão muito bem com passasrinhos.
O curió é de primeira. Bonito e brigão. A gente aproxima um espelho da gaiola e ele se invoca. Abre as asas, incha-se todo, arreganha-se com um ódiio terrível, como se estivesse apto a demolir o mundo. Curió de milhão, que a muito custo e argumentadndo com todo o meu desespero, chegou a 800,00.
E vai-se chamar Ziriguidum. Habitará o Leblon, para desespero do meu vizinho de baixo. Vejam vocês, como são as coisas da vida: um vizinho me odiera porque eu amo os pássaros. A medida doódio dele é a exata medida do meu amor. êle talvez não saiba toda a beleza de um curió. Assim como o meu curió não sabe toda a aridez dele.
Um dia, inclusive, um amigo passarinheiro me chamou a atenção para um possível erro na História Sagrada. O meu amigo tinha certeza, e ainda tem, que aquelas pombinhas que carregaram Jesus Cristo pelos céus do Mundo anticristão não podiam ser pombinhas. Pela coragem do vôo e do ato, só podiam ser curiós."

Sergio Bittencourt, jornalista ( 1941-1979 ), foi jurado dos programas de sucesso na TV , de Flávio Cavalcanti  - A Grande Chance e Programa Flávio Cavalcanti. Compôs belas canções como Modinha, Canção do Medo, Naquela Mesa, dentre outras.


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