quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Crônica Carioca de Todos os Tempos_Artur da Távola

O jornalista Paulo Alberto Monteiro de Barros, que passou a assinar Artur da Távola na “Última Hora” depois de voltar do exílio, era político, crítico musical e de televisão, apresentador de programas e também um excelente cronista.
A última crônica de Artur da Távola, publicada no jornal O Dia, aqui do Rio.



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"Camarão com catupiri 
Artur da Távola

Ainda rapaz, minha mãe anunciava com alegria, ao receber o salário modesto de funcionária pública no fim do mês: “Hoje vai ter camarão com catupiri”.

Prato denso pela consistência daquele requeijão no qual, ademais, ela adicionava deliciosos palmitos. Não usava molho de tomate de lata (“muito ácido”, dizia), nem colocava ervilhas. O camarão era grande, gostoso e bem mais barato então. Falo de molho de tomate e ervilhas porque, depois, a especiaria ganhou fama e até estrelato em nobres cardápios, tornando-se, também, salgada no preço. Apareceu em jantares finos e restaurantes metidos. E com molho de tomate e ervilhas.

Aos poucos, porém, foi perdendo ‘status’. Dos jantares finos sumiu, porque se tornou lugar comum e, também, porque camarão é caro e rico não é besta.

Nos restaurantes (r)existe, porém, pálida lembrança: o (que era) ‘catupiri’ com camarão está mais para molho branco com farinha de trigo que para o velho e saboroso requeijão. E o pior! Caso se deseje usar o catupiri mesmo, ao vivo e a cores, este envelheceu, tornou-se ralo e aguado, dissolve-se e dessora uma gordura amarelada. Sucumbiu aos imitadores. E, depois destes, veio ainda a legião de copos e mais copos de requeijão cremoso, díspares na qualidade e malandros nos preços, porém mais práticos até pelo aproveitamento do copo que substitui a simpática caixinha redonda, de madeira. Mas sem a mesma consistência de quase queijo, com certeza.

Pobre vovô catupiri, que não conseguiu entrar com saúde na terceira idade! A vertigem do consumo o pilhou desprevenido, sem condições de reproduzir a classe de antigamente. Mesmo assim resiste, que bom! Apesar de soltar a amarela e assustadora camada de gordura liquefeita, para tais iguarias ainda é melhor que o requeijão de copo, pois este precisa ser engrossado com farinha; e o “catupa”, não.

Ele virou, porém, marca e símbolo de um modo de cozinhar acepipes: coxinha de frango com catupiri; rissole de camarão com catupiri; empadinhas de galinha ou camarão com catupiri. O nome prolifera e dobra o preço: rissole de camarão custa a metade de rissole de camarão com catupiri. E a imaginação criadora disparou, inventando até um deslumbrante croquete de aipim recheado com catupiri. Comi um na ‘Chez Anne’ e quase chorei de emoção.

Mas o camarão com catupiri inesquecível de minha mãe, este não existe mais.

O tempo o levou. E a ela, cuja perda não tem solução."




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