"Em junho de 1994, enquanto a seleção brasileira de Romário e Bebeto dava seus primeiros passos para levar o tetracampeonato na Copa do Mundo dos Estados Unidos, o Brasil inteiro era invadido por uma onda de frio poucas vezes vista.O Sul do país, varrido pelo minuano (vento capaz de congelar chimarrão dentro da cuia), batia recordes negativos de temperatura um dia após o outro. O Rio de Janeiro, que mesmo no inverno dificilmente registra temperaturas em um único dígito, não ficava atrás. No dia 28 de junho daquele ano, os termômetros cravaram 6,7 graus Celsius no Alto da Boavista. Com a proximidade do mar, a sensação térmica beirava o zero grau.
Um frio do cão.
É, até hoje, a mais baixa temperatura registrada na cidade desde que, num longínquo dia de 1926, o frio chegou a inacreditáveis 4,5 graus no Campo dos Afonsos — mas isso pode ser só lenda urbana. O fato é que, em junho de 1994, o inverno do Leblon era mesmo quase glacial.
Foi naquele ano que a gaúcha Adriana Calcanhotto botou nas lojas de disco (é, elas existiam naquela época) “Fábrica do poema”, CD que continha “Inverno”, a tal música do verso “o inverno no Leblon é quase glacial”. Não era só. O disco tinha outras bem sacadas investidas no cotidiano da cidade, como “Morro dois Irmãos” e o clássico “Cariocas”. Vendeu 130 mil cópias. “Inverno” — que falava sobre solidão, abandono e amores à deriva — virou uma espécie de retrato de um bairro em dias gelados... (na verdade, a letra é do Antônio Cícero).
Vinte anos depois,o Leblon — que nesse inverno deve ter temperaturas mínimas em torno de 18 graus ... mudou à beça...
Em junho de 1994, o Brasil estava prestes a ganhar o real como moeda, lançada oficialmente em 1º de julho daquele ano. De lá pra cá foram três presidentes da República, três governadores e três prefeitos diferentes. Durante esse tempo, Manoel Carlos escreveu seis novelas para o horário nobre da TV Globo. A primeira delas, “Por amor”, lançada em 1997, e a última, “Em família”, ainda está em cartaz. Todas tinham Helena como protagonista, a família como tema e um Leblon idealizado como cenário. A mistura de ficção e realidade jogou os preços para o alto. Todo mundo quer morar no bairro da novela, viver a vida da novela. Em 20 anos, roubou definitivamente de Ipanema o título de mais caro da cidade. O metro quadrado ali sai, por baixo, a R$ 24 mil.
A valorização se estendeu às ruas do bairro, que viram boa parte do comércio tradicional ser substituída por lojas de grife e, sobretudo, por restaurantes sofisticados, a maioria concentrada na Rua Dias Ferreira. Estão ali, entre outros, o CT Boucherie, o Q, o Zuca e o Quadrucci. A rua dos restaurantes recebeu recentemente o reforço também de três novas sorveterias. Todas no mesmo estilo
...Sorvete é sorvete em qualquer tempo... e o inverno no Rio é camarada.
O conceito de comida com grife tomou conta do bairro de vez. Está certo que o Tio Sam, o Azeitona, o Jobi, o Alvaro’s, o Degrau, o Ferreira, a Pizzaria Guanabara e o La Mole continuam onde sempre estiveram, mas agora têm a companhia de casas que, de um jeito ou de outro, trataram de colocar um pouco de espuma (e trufas, e reduções e infusões, e o escambau) na tradicional gastronomia de botequim.
Mesmo entre as novidades, há exceções.
...Chico, do Chico & Alaíde, é exemplo vivo das mudanças do bairro ao deixar, em 2009, o posto de garçom mais querido do Bracarense para, ao lado da rainha das panelas Alaíde, montar seu restaurante....
...Casas tradicionais, como Garcia & Rodrigues, Carlota e Real Astoria, foram riscadas dali. Até o Cinema Leblon, um dos últimos cinemas de rua da cidade, parece estar com os dias contados. De modo geral, o mapa do Leblon, nos últimos tempos, anda difícil de desenhar. As obras para a ampliação do metrô mudaram o trânsito, inverteram mãos e fecharam ruas. A principal delas, a Ataulfo de Paiva, virou canteiro de obras. Tem tapume para tudo que é lado.
Com os transtornos, muitas lojas não resistiram à fuga dos clientes e fecharam as portas. Outros migraram para os shoppings, como o Leblon, inaugurado em 2006. As meninas do bairro — que em 1994 misturavam os vestidinhos da Cantão com acessórios roubados do seriado “As patricinhas de Beverly Hills” e as inevitáveis camisas xadrez de flanela — agora vestem Farm, Ecletic e roupinhas de brechó. E — caramba, isso, sim, é novidade — vão à praia ali mesmo.
A Praia do Leblon, antes reservada às famílias e crianças, agora é ocupada pelas mesmas pessoas que, um dia, já passaram pelo Posto 9, pelo Coqueirão e pelo Country. O tradicional Baixo Bebê passou a ter a companhia das barracas que servem cerveja, caipirinha e até... espumante...
...acreditar que o inverno está começando no Leblon...
... Inverno? Frio? Como assim? "
Renato Lemos
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente! Seja bem-vindo!