A história do Rio de Janeiro
se confunde com a história das suas enchentes.
Essas verdadeiras catástrofes urbanas foram também, desde princípios do povoamento urbano, registradas em escritos de viajantes, desenhos e pinturas, bem como por obras literárias.
Celebro – ó tromba d’água!
Ó portadora
Da ira celestial
–
Celebro a grande fúria rugidora
Com que alagaste o leito da Central!
Fantasio, pseudônimo de Olavo Bilac
(Gazeta de Notícias, 5 de março de 1896)
Na época da fundação da cidade de São Sebastião, em 1575, o padre José de
Anchieta, ao escrever uma carta para outro religioso jesuíta, descreve a fúria e
ESCRITOS VI
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a grande intensidade com que a água das chuvas destruía a cidade:
“[...] choveu
tanto que se encheu e rebentaram as fontes [...]”.
Outros registros de memória sobre as grandes inundações datam de 1711, coincidindo com a chegada dos franceses ao Rio de Janeiro.
A invasão foi liderada por Duguay-Trouin, e os franceses, na noite de 21, após
terem rendido a ilha das Cobras, deram início ao famoso bombardeio da cidade
sob intenso temporal que alagou o Rio de Janeiro. De certa forma, a chuva e o
alagamento da cidade facilitaram a vitória dos franceses.
José Vieira Fazenda, por exemplo, faz referência às chuvas...
" Forçada a barra do Rio de Janeiro e apoderando-se da ilha das Cobras,
iniciou o célebre marítimo o bombardeio da cidade. “Noite espantosa,
noite terrível (diz testemunha ocular)! O seu silêncio repentinamente se
perturba pelas descargas de toda a artilharia. Ao mesmo tempo se cobre
o céu com horrorosa tempestade..."
Também existem notícias de que uma grande chuva, precedida por ventos fortíssimos, atingiu o Rio de Janeiro no ano de 1756, a partir das 13 horas
do dia 4 de abril. Um registro de
Balthazar da Silva Lisboa narra que o terror se apoderou dos habitantes. De acordo com o cronista, as
águas subiram de tal maneira que inundaram a rua do Ouvidor (Miguel Couto)
e entraram pelas portas das casas. Formou-se um rio que ia da região entre o
Valongo (praça Mauá) até a igreja do Rosário (Rosário, esquina da avenida Rio
Branco).
"...choveu tão grossa e copiosa chuva,
precedida de veementes concussões do ar, e espantosos furacões,
por três dias
sem interrupção..."
No século XIX aconteceram várias enchentes no Rio de Janeiro. A principal
delas foi a de 10 a 17 de fevereiro de 1811, conhecida como “Águas do Monte”. D. João VI, tendo chegado de Portugal poucos anos antes, exigiu um inquérito sobre a enchente e, mais que a vontade de Deus, as causas encontradas eram
“a falta de conservação das valas e drenos pelos entulhos e lixos e demais imundícies lançados nelas”.
Machado de Assis descreve poeticamente as chuvas de
1811 em uma crônica d’A Semana, em 2 de fevereiro de 1896:
"Pior que tudo, porém, se a tradição não mente, foram as águas do monte, assim chamadas por terem feito desabar parte do morro do Castelo. Sabes que essas águas caíram em 1811 e duraram sete dias deste mês de fevereiro. Parece que o nosso século, nascido com água, não quer morrer sem ela. Não menos parece que o morro do Castelo, cansado de esperar que o arrasem, segundo velhos planos, está resoluto a prosseguir e acabar a obra de 1811. Naquele ano chegaram a andar canoas pelas ruas; assim se comprou e vendeu, assim se fizeram visitas e salvamentos. Também é possível, como ainda viviam náiades, que assim as fossem buscar as fontes. Talvez até se pescassem amores."
Outras enchentes históricas ocorreram no Rio de Janeiro do século XIX em 1833, 1862 e 1864. Esta última, por ser originária de uma chuva de granizo que destelhou toda a cidade, ficou conhecida como “Chuva de Pedra”.
UMA CURIOSIDADE: os médicos daquela época pensavam que os grandes temporais melhoravam a qualidade do ar.
Os registros de memória das chuvas se tornam mais frequentes ao longo dos séculos XIX e XX.
A urbanização do Rio de Janeiro levou ao aumento, e não à diminuição, das enchentes históricas ao longo do século XX. Isto aconteceu pelo planejamento urbano que canalizou rios, construiu em áreas alagadas e aterrou extensas áreas da baía de Guanabara.
Em 1906, as chuvas de verão inundaram o Rio de Janeiro – mais uma vez. A inundação naquele ano tinha, contudo, um sabor mais amargo. A capital da República vivia as reformas urbanas de Pereira Passos. Jornais e revistas publicavam cartas indignadas de moradores que viam as tentativas de transformação do Rio em uma cidade ordenada e civilizada irem literalmente por água abaixo. Nas páginas das revistas ilustradas, chargistas ironizavam a impotência do Estado e pediam “bondes submarinos” ou “aéreos”, únicos meios de locomoção possíveis nos dias de enchente. Ao longo da Primeira República, praticamente todo ano, o Rio de Janeiro sofreu com enchentes.
Com o advento da fotografia, ela passa a registrar.
. na revista A Careta, n 148, sobre a enchente de 1911.
. revista A Careta n 1029, 1928
Olá. Estou fascinado pelo blog. Quem é o autor? Poderia me passar um e-mail para nos comunicarmos?
ResponderExcluirAtenciosamente, Guilherme