Foto/ reprodução
Rubem Braga, homem-crônica, como muitos o consideraram , com mais de 15 000 textos escritos do gênero, celebraria, nesse 12 de janeiro seu centenário.
" Há mil Rubens dentro de Rubem Braga" Clarice Lispector
Vizinha de bairro, cá debaixo da rua sempre vi o verde suspenso e fiquei a imaginar o pomar e como seria. Entre a grama, romã, goiabeira, pimenteira, pitangueiras, jabuticabeiras, coqueiro-anão e mangueiras, e beija-flores, rolinhas e sabiás -estes que inspiraram o nome de sua editora - Rubem Braga escreveu, e muito bem, o gênero vira-lata da literatura brasileira, como ele mesmo tratava a própria obra: a crônica para o dia seguinte.
"Meu terraço é frequentado por passarinhos,
como tico-tico (mais de uma vez já fizeram ninhos aqui,
e de uma delas um chupim botou ovos lá,
e o pobre tico-tico teve de criar aqueles filhotões pretos,
maiores do que ele) rolinha, pombos, bem-te-vis
(que às vezes comem peixinhos de um pequeno tanque que eu tenho) e,
sempre que tem fruta madura, sanhaços; é interessante que os pardais,
que enchem as árvores da praça, não aparecem aqui."
como tico-tico (mais de uma vez já fizeram ninhos aqui,
e de uma delas um chupim botou ovos lá,
e o pobre tico-tico teve de criar aqueles filhotões pretos,
maiores do que ele) rolinha, pombos, bem-te-vis
(que às vezes comem peixinhos de um pequeno tanque que eu tenho) e,
sempre que tem fruta madura, sanhaços; é interessante que os pardais,
que enchem as árvores da praça, não aparecem aqui."
"Devo confessar que não entendo nada de jardim,
tenho mão ruim para plantar qualquer coisa,
meu terraço vive sempre meio bagunçado e com mudas novas
(outro dia plantei canela, pegou, mas não está crescendo muito)
às vezes espalho sementes de flores francesas
e ficam uns recantos bonitos, às vezes semeio, semeio e não nasce nada."
"Foi Roberto Burle Marx quem desenhou o jardim do meu terraço,
e tudo o que ele "receitou" pegou bem, e aguenta o sol
e os ventos de sudoeste e a lestada cheia de sal do mar,
mas com o tempo eu fui mudando, acabei por exemplo com as iúcas,
que ferem como punhais, plantei grama japonesa (soyza matrella) que ele próprio,
Burle Marx, me deu muito mais tarde e que invadiu tudo."
tenho mão ruim para plantar qualquer coisa,
meu terraço vive sempre meio bagunçado e com mudas novas
(outro dia plantei canela, pegou, mas não está crescendo muito)
às vezes espalho sementes de flores francesas
e ficam uns recantos bonitos, às vezes semeio, semeio e não nasce nada."
"Foi Roberto Burle Marx quem desenhou o jardim do meu terraço,
e tudo o que ele "receitou" pegou bem, e aguenta o sol
e os ventos de sudoeste e a lestada cheia de sal do mar,
mas com o tempo eu fui mudando, acabei por exemplo com as iúcas,
que ferem como punhais, plantei grama japonesa (soyza matrella) que ele próprio,
Burle Marx, me deu muito mais tarde e que invadiu tudo."
( (trechos da crônica "Terraço", 1973, inédita em antologia)
O autor que gostaria de criar uma história que, de boca em boca, fosse mudando a vida das pessoas( "Meu ideal seria escrever..." ). segundo Manuel Bandeira escrevia ainda melhor quando não sabia sobre o que escrever. Clarice Lispector fez coro nesse sentido: para ela, não havia ninguém melhor em enrolar o leitor. Exemplos não faltam. Certa vez disse
“Às vezes a gente parece que finge que trabalha; o leitor lê a crônica e no fim chega à conclusão de que não temos assunto. Erro dele. Quando não tenho nenhum frete a fazer, sempre carrego alguma coisa, que é o peso de minha alma, e olhem lá que não é pouco.”
E não é pouco mesmo. Descreveu a cidade, hábitos, costumes, mazelas, belezas com sua linguagem coloquial e temáticas simples. Como a crônica abaixo escrita há 60 anos, em 1953.
Ele nos deixou em 1990, mas sempre é tempo para saborear seus textos... e comemorar seu centenário!
O Verão e as Mulheres
Talvez tenha acabado o verão. Há um grande vento frio cavalgando as ondas, mas o céu está limpo e o sol é muito claro. Duas aves dançam sobre as espumas assanhadas. As cigarras não cantam mais. Talvez tenha acabado o verão.
Estamos tranqüilos. Fizemos este verão com paciência e firmeza, como os veteranos fazem a guerra. Estivemos atentos à lua e ao mar; suamos nosso corpo; contemplamos as evoluções de nossas mulheres, pois sabemos o quanto é perigoso para elas o verão.
Sim, as mulheres estão sujeitas a uma grande influência do verão; no bojo do mês de janeiro elas sentem o coração lânguido, e se espreguiçam de um modo especial; seus olhos brilham devagar, elas começam a dizer uma coisa e param no meio, ficam olhando as folhas das amendoeiras como se tivessem acabado de descobrir um estranho passarinho. Seus cabelos tornam-se mais claros e às vezes os olhos também; algumas crescem imperceptivelmente meio centímetro. Estremecem quando de súbito defrontam um gato; são assaltadas por uma remota vontade de miar; e certamente, quando a tarde cai, ronronam para si mesmas.
Entregam-se a redes; é sabido, ao longo de toda a faixa tropical do globo, que as mulheres não habituadas a rede e que nelas se deitam ao crepúsculo, no estio, são perseguidas por fantasias e algumas imaginam que podem voar de uma nuvem a outra nuvem com facilidade. Sendo embaladas, elas se comprazem nesse jogo passivo e às vezes tendem a se deixar raptar, por deleite ou preguiça.
Observei uma dessas pessoas na véspera do solstício, em 20 de dezembro, quando o sol ia atingindo o primeiro ponto do Capricórnio, e a acompanhei até as imediações do Carnaval. Sentia-se que ia acontecer algo, no segundo dia da lua cheia de fevereiro; sua boca estava entreaberta: fiz um sinal aos interessados, e ela pôde ser salva.
Se realmente já chegou o outono, embora não o dia 22, me avisem. Sucederam muitas coisas; é tempo de buscar um pouco de recolhimento e pensar em fazer um poema.
Vamos atenuar os acontecimentos, e encarar com mais doçura e confiança as nossas mulheres. As que sobreviveram a este verão.
Março, 1953.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente! Seja bem-vindo!