terça-feira, 27 de agosto de 2013

Trocadilhos cariocas


Foto: Daniela Dacorso
Reprodução internet

O sujeito chega do Ceará para tentar uma vida melhor no Rio de Janeiro. Isso lá nos anos 70. Começa carregando madeira, passa a comprá-las para revenda, o negócio vai indo bem, obrigado, e ele abre uma loja em Copacabana. Na hora de batizar o local, pensa:

“Eu sou do Ceará... Vim de pau de arara. E a loja é de madeira. Pronto. É Pau de Arara o nome da loja.” Mas a mulher faz um muxoxo. E como é ela quem manda, o nome da loja fica sendo Pau Mandado.

 Parece piada, mas é a história por trás do letreiro de uma madeireira na Rua Barata Ribeiro, em Copacabana.

 Tascar um trocadilho em nome de estabelecimento comercial é uma prática tão tupiniquim quanto pendurar santo no retrovisor, levar marmita no fim da festa ou colocar fralda na gaiola do passarinho. Ainda que nenhum Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Hollanda ou Câmara Cascudo tenha se aprofundado no fenômeno social, o “trocadilhismo” nos entrega tanto quanto a mestiçagem, a cordialidade ou o curupira. E o Rio, se bobear, é o campeão nacional de letreiros com jogos de palavras. Basta uma volta pelos endereços comerciais da cidade para notar o apreço do carioca pela piada pronta — e começar uma coleção pessoal dos preferidos.

 Só em Copacabana, além da Pau Mandado, há a clínica veterinária Cãopacabana, o botequim BomBARdeio, a loja de bolsas Mala Amada, a livraria Baratos da Ribeiro, a “croassanteria” Croasonho e a creperia Crepe Diem.

Na Tijuca, há o restaurante Umas & Ostras e a lanchonete Faceburger. Em Vila Isabel, na Rua Teodoro da Silva, o nome do motel é... Teadoro.

No Flamengo, uma boleira pôs o nome da sua empresa caseira de James Brownie, e uma lavanderia em Botafogo se chama Lava Isso &A Quilo. Em Madureira, há o restaurante Kill Grill, uma clara alusão ao filme de Quentin Tarantino “Kill Bill”. Em Bonsucesso, há uma pizzaria chamada Bonsussexo, acreditem, e em Bangu, uma academia de nome Habeas Corpus.

Ao ouvir o nome, o acadêmico Antônio Carlos Secchin o achou tão legal que fez uma sugestão a Celso: abrir ao lado da academia o botequim Habeas Copus.

 Tecnicamente, o trocadilho é uma figura de linguagem chamada paranomásia. É a junção de palavras de som próximo e sentido distante. Você fala uma coisa e imagina outra. Há uma referência implícita a um segundo sentido. Seu uso deflagra uma relação prazerosa com a língua portuguesa, quando usada como um jogo, uma brincadeira. Ainda mais pelos cariocas, que já criam tantas gírias — explica o imortal, um fã de trocadilhos.

 O recurso foi parar no comércio, mas sempre esteve na literatura.

Basta lembrarmos do “Manifesto Antropofágico” de Oswald de Andrade, que tinha o trocadilho dos trocadilhos, “Tupi or not tupi”.

Foi esta lógica lúdica que norteou o batismo de muitos bares. O Barthodomeu, em Ipanema ; no Vidigal, há o Barlacubacu, no Anil, o Barbudo, no Flamengo, o Zanzibar. Em Del Castilho, o Zombar. Em Madureira, o Bar Bosa. No Catete, o Bartman.

Com as empresas de estética, não é muito diferente. Em toda a cidade, encontram-se filiais da rede Spé (cujo slogan é “o spa do pé”), e toda sorte de derivativos da palavra “pelo”: Pelo menos,  Pelo Sim, Pelo Não, presente também em vários lugares do Rio.

Tem uma loja de artigos de pesca em Jacarepaguá que se chama Minhoca Feliz. E se tem alguém que não é feliz na pescaria é a minhoca... Em Nova Friburgo, vi uma loja de plotagem chamada Harry Plotter.

Nenhum ramo, no entanto, supera o trocadilhismo ostensivo das pet shops. Na Barra, há o Au Q Mia. Na Urca, o Urcão. Em Olaria, o Pet Shop.cão.br. Na Pechincha, o Gato pra Cachorro. Em Nova Iguaçu, o Cãobeleireiro. E em Ipanema, Au Cão Kur .

Essa “carioquice” na marca, é uma maneira peculiar do morador do Rio de enxergar o que acontece sempre com graça. O carioca tem uma miopia bem-humorada da vida.

Uns trocadilhos vêm, outros vão.

Alguns trocadilhos antológicos do Rio faliram juntamente com os estabelecimentos comerciais aos quais pertenciam. Mas permanecem na memória. Quem pegava a Rodovia BR-101 com frequência certamente já tinha notado a churrascaria A Novilha Rebelde, um jogo de palavras com a tradução para o português do filme “A noviça rebelde”. Há três anos, no lugar funciona a churrascaria Mano’s Grill. Ao lado do Engenhão, alcunha do Estádio João Havelange, havia uma lanchonete chamada Have Lanches, outro belo exemplo da perspicácia carioca. Em Madureira, na Avenida Edgard Romero, até pouco mais de um ano atrás, na altura do Mercadão, havia um Banco Safra. E, ao lado, o bar Safradão, que foi demolido para virar uma agência do Santander. Na Barra, o restaurante Filo Porque Quilo também fechou as portas, levando com ele a referência à célebre frase dita pelo ex-presidente Jânio Quadros quando de sua renúncia ao cargo.

Fonte: Revista de Domingo

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