terça-feira, 5 de novembro de 2013

Erlon Chaves e seu jeito carioca

Ele teria completado 80 anos.


Com um estilo de orquestração meio parecido com o de Quincy Jones, esse paulista com jeito carioca e   influência de soul-jazz   foi fundamental para o pessoal dos metais no Brasil .

Erlon Chaves é uma referência da black music brasileira e obteve respeito e admiração de tantos com uma obra vasta, que inclui trilhas para novelas e filmes, arranjos para alguns dos maiores cantores brasileiros , dentre eles Elis Regina e Wilson Simonal.

Foi o maestro e arranjador da orquestra do Programa Flávio Cavalcanti , na TV TUPI, autor da linda vinheta de abertura




Foi o criador da Banda Veneno, patrimônio da música dançante brasileira. 

Mas esbarrou em preconceitos num Brasil racista, camuflado, principalmente há mais de 40 anos.

Certa vez em um baile,  num clube da elite carioca, nos anos 1970, uma banda é afinada e suingada,  tocava sucessos internacionais. O crooner era Gerson King Combo e o maestro Erlon Chaves. Um sujeito do público,bêbado, começa a reclamar alto -  várias vezes - enquanto Gerson avança por “By the time I get to Phoenix”: “Ô, negão, tu tá enrolando no inglês!” . Na quarta vez, o maestro — também negro, enfurecido — deixa a pompa de lado e por pouco não sai no tapa com o bebum.

UMA CURIOSIDADE
Poucos sabem, mas foi  Erlon Chaves quem fez o jingle clássico dos Cobertores Parahyba.




O EPISÓDIO DA CENSURA
Era a final do V Festival Internacional da Canção, no qual Erlon Chaves era presidente do júri internacional. Escreveu Boni  - José Bonifácio Sobrinho, em sua autobiografia lançada recentemente, o fato:

Junto com a Banda Veneno, o maestro ia apresentar  a música “Eu quero mocotó”, de Jorge Ben. E avisou: “Antes, vamos fazer um número quente. Vou ser beijado por lindas garotas.” E protagonizou um happening, enroscado em dançarinas brancas e louras, em trajes cor da pele.



No Brasil da ditadura, foi demais!

Erlon acabou levado à Polícia Federal, junto com José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni -  diretor da transmissão -  para prestar depoimento. Depois, ganhou uma suspensão por ordem da Censura e lhe recomendaram que fosse embora do Brasil. O Erlon não foi, mas sofreu demais e quase morreu de tristeza porque ficou proibido de exercer suas atividades profissionais em todo o território nacional por 30 dias.

O pior golpe, porém, se deu em 1974, quando Wilson Simonal foi preso pela acusação de extorsão mediante sequestro de seu contador. Erlon ia visitar o amigo no presídio de Água Santa, quando, numa galeria comercial do Flamengo, reagiu a provocações de um passante.
Ela achava que o que estava acontecendo com o Simonal poderia vir a acontecer com ele e seus pares negros.

Três mil pessoas compareceram ao seu enterro, inclusive Simonal, sob escolta policial.



Abaixo, EU QUERO MOCOTÓ , o registro original, extraído do compacto simples da Philips, n.o 365310PB-A, e o coro que acompanha Erlon é a SAM (Sociedade Amigos do Mocotó).


O jornalista e pesquisador NEI LOPES escreveu


" Dia desses, relaxando da labuta, resolvemos no Lote ouvir uns discos desses de requebrar o esqueleto, desses que confirmam que nossos Deuses africanos dançam. E como dançam! 
Sacamos então, lá da estante, discos com “muito balanço” e “pouco conteúdo”, incluindo aí muita guaracha, muito són, muito suingue, muito rhythm & blues, muita batucada, e, entre esses, uns disquinhos relançados do polêmico Wilson Simonal, naquela do patropi e da pilantragem. Foi aí que, ouvindo, sacando as idéias, analisando os arranjos, o clima e lembrando das pessoas envolvidas, nos veio à mente a seguinte pergunta:

Quem foi realmente o maestro Erlon Chaves? ...cheio de “balanço e de veneno”;...aquela imagem bacana e auto-suficiente… e depois ... taxado de “crioulo nojento”, que “só gostava de loura”, que “não se enxergava” e “nem sabia o seu lugar”.

E, afinal, de que morreu Erlon Chaves?
.............

No caldo grosso do “Mocotó”, Erlon, acuado, limitou-se ao seu trabalho de arranjador – da mesma forma que Toni Tornado, pela BR-3 apresentada no mesmo certame, foi “convidado a sair do país”. E Wilson Simonal, seu parceiro e amigo, acabou acusado de delator em 1972, comendo a partir daí o mocotó que a Ditadura azedou.
Apesar do relativo sucesso dos discos com repertório internacional da Banda Veneno, lançados de 1972 a 1974, a carreira de Erlon Chaves acabava ali, naquele festival que, segundo o nunca assaz citado Zuza,
  • “deixou um rastro de racismo, uma marca de preconceito contra artistas da raça negra, aquela que contribuiu para a música brasileira, como também para a cubana e a norte-americana, com o elemento mais proeminente de seu caráter, o ritmo”.
Em 14 de novembro de 1974, Erlon Chaves, que transmitia a todos nós com seu talento, charme, sorriso e simpatia aquela autoconfiança que a nós todos ainda nos faltava, enfartou, quando olhava uns discos de jazz numa loja da zona sul, e morreu. No ato.

Será que morreu de seu próprio “veneno”? Este veneno de que nos faz querer também comer o “mocotó” dos espaços de excelência, das instâncias do poder, do conforto material, do acesso ao saber, do êxito, do respeito enfim!? Ou será que morreu porque era um “crioulo metido e pilantra”, que “não sabia seu lugar”, só “gostava de mulher branca” e “carro do ano”; que, de repente, quem sabe, queria até ver seus filhos – absurdo!- entrando pra uma boa faculdade?!…


Você sabe? "

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