Na casa de minha avó a Semana Santa era também sinônimo de pratos que iam à mesa só nesses tempos.
O rebuliço começava bem antes na busca e compra dos ingredientes.
Mais que almoço de Páscoa, havia o almoço da Sexta-Feira da Paixão. E Sexta-feira Santa era dia de...zorô.
Zorô era um prato típico do interior do Rio - onde a tradição portuguesa se somou à tradição africana.
Uma iguaria!
Hoje poucos conhecem . Feita com camarões secos, quiabos, azeite e certos temperos, azeite de dendê e o protagonista, o mulato velho. (O mulato velho é o peixe bagre salgado e defumado e confundido com o bacalhau. A diferença dele para o bacalhau é que ele é muito mais aguado e daí mais macio, e com poucas espinhas)
Como acompanhamento, o zorô tinha um creme de arroz e uma farofa de dendê, mais, molho de pimenta pra os que apreciavam e claro o arroz branco, que muitos dispensavam. E a sobremesa também era especial: paçoca de amendoim com banana picada ou goiabada. Feita pelo meu avô, que fazia questão de moer o amendoim manualmente.
Eu, aqui confesso: desde criança, sempre detestei aquele cheiro forte do azeite de dendê e - acreditem! - nunca provei o tal do zorô, repetido e amado por todos os convidados e os que se convidavam pro almoço daquela sexta-feira, e dele falavam ao longo do ano.
Apesar de não saber o sabor do zorô, ficou na memória o sabor da lembrança daqueles almoços, dos tilintar dos talheres, das belas toalhas brancas, dos guardanapos dobrados em leque, dentro das taças, da satisfação do meu avô da reunião e presença de todos em torno da mesa comprida.
Mas eu não ficava órfã no almoço, não. Um filé de peixe com molho de camarões vinha especialmente pra mim. E ficava aguardando, ansiosamente... a paçoca! A paçoca que meu avô fazia batendo manualmente.
E aí ao invés de irmos à casa da vovó, ela e o vovô vinham à nossa casa. O ritual era o mesmo, a mesma mesa bonita, meu avô à cabeceira.
O zorô voltou à memória, hoje, de novo, porque passei na Casa Pedro. E aí fui pesquisar na internet e fiquei pasma pela total falta de informação do que seja zorô. Uma tradição que se perdeu.
Achei, curiosamente, uma música gravada por Francisco Alves, em 1929, chamada Zorô e falando da comida.
Zorô, oi, zorô,
É camarão com bocado de quibombô.
O zorô para ser bom,
Deve de levar pimenta,
Quem temperou o zorô,
Foi uma baiana ciumenta.
É camarão com bocado de quibombô.
O zorô para ser bom,
Deve de levar pimenta,
Quem temperou o zorô,
Foi uma baiana ciumenta.
Zorô, ai, zorô, etc…
Baiana não, o seu zorô
Tem pimenta malagueta,
Eu comi tanto zorô,
Depois vi as coisas pretas.
Baiana não, o seu zorô
Tem pimenta malagueta,
Eu comi tanto zorô,
Depois vi as coisas pretas.
Hoje só se fala em carurú, outra comida de origem africana. Que fique, claro, não é zorô, mas um primo, já que é de quiabo, camarão e dendê. A grande diferença é a inserção do tempero e dos ingredientes portugueses.
ZORÔ coisa de um outro tempo.
De um outro Rio de Janeiro!
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