quinta-feira, 17 de abril de 2014

Sexta-feira Santa era dia de...zorô


Na casa de minha avó  a Semana Santa era também sinônimo de pratos que iam à mesa só nesses tempos.
O rebuliço começava bem antes  na busca e compra dos ingredientes.
Mais que almoço de Páscoa, havia o almoço da Sexta-Feira da Paixão. E Sexta-feira Santa era dia de...zorô.

Zorô era um prato típico do interior do Rio - onde a tradição portuguesa se somou à tradição africana.

Uma iguaria!



     

Hoje poucos conhecem . Feita com camarões secos, quiabos, azeite e certos temperos, azeite de dendê e o protagonista, o mulato velho. (O mulato velho é  o peixe bagre salgado e defumado e  confundido com o bacalhau. A diferença dele para o bacalhau é que ele é muito mais aguado e daí mais macio, e com poucas espinhas)

Como acompanhamento, o zorô tinha um creme de arroz e uma farofa de dendê, mais, molho de pimenta pra os que apreciavam e claro o arroz branco, que muitos dispensavam. E a sobremesa também era especial: paçoca de amendoim com banana picada ou goiabada. Feita pelo meu avô, que fazia questão de moer o amendoim manualmente.

Eu, aqui confesso: desde criança, sempre detestei aquele cheiro forte do azeite de dendê e  -  acreditem! -  nunca provei o tal do zorô, repetido e amado por todos os convidados e os que se convidavam pro almoço daquela sexta-feira, e dele falavam ao longo do ano.

Apesar de não saber o sabor do zorô, ficou na memória o sabor da lembrança daqueles almoços, dos tilintar dos talheres, das belas toalhas brancas, dos guardanapos dobrados em leque, dentro das taças, da satisfação do meu avô da reunião e presença de todos em torno da mesa comprida.

Mas eu não ficava órfã no almoço, não. Um filé de peixe com molho de camarões vinha especialmente pra mim. E ficava aguardando, ansiosamente... a paçoca! A paçoca que meu avô fazia batendo manualmente. 

Depois de um tempo, quem passou a fazer o zorô foi minha mãe. Meu pai não dispensava o dito, que adorava. E como! E todo ano ía ela ao largo de São Francisco comprar o mulato velho. Só vendia por lá. E precisava comprar com antecedência, já que era preciso deixar o bagre de molho, trocando a água algumas vezes.

E aí ao invés de irmos à casa da vovó, ela e o vovô vinham à nossa casa. O ritual era o mesmo, a mesma mesa bonita, meu avô à cabeceira.

O zorô voltou à memória, hoje, de novo, porque passei na Casa Pedro.  E aí fui pesquisar na internet e fiquei pasma pela total falta de informação do que seja zorô. Uma tradição que se perdeu.

Achei, curiosamente, uma música gravada por Francisco Alves, em 1929, chamada Zorô e falando da comida.

Zorô, oi, zorô,
É camarão com bocado de quibombô.

O zorô para ser bom,
Deve de levar pimenta,
Quem temperou o zorô,
Foi uma baiana ciumenta.
Zorô, ai, zorô, etc…

Baiana não, o seu zorô
Tem pimenta malagueta,
Eu comi tanto zorô,
Depois vi as coisas pretas.


Hoje só se fala em carurú, outra comida de origem africana. Que fique, claro, não é zorô, mas um primo, já que é de quiabo, camarão e dendê. A grande diferença é a inserção do tempero e dos ingredientes portugueses.

ZORÔ coisa de um outro tempo. 
De um outro Rio de Janeiro!


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