Tamoios no Arpoador
Zuenir Ventura
foto: OGloboOnline/reproduçãoCarlos Ivan / Agência O Globo
Aconteceu neste verão. Convidado a escrever sobre um canto do Rio, escolhi o Arpoador, porque de lá se costuma desfrutar deslumbrantes entardeceres.
Os termômetros marcavam quase 40º, com a sensação térmica beirando os 50º.
Sentado nas pedras, apreciava o sol refletir com tal intensidade sobre o mar espelhado que devo ter experimentado aquela ilusão ótica que no deserto se chama miragem. A gente entra num clima onírico e acredita ver o que não existe.
De repente, senti uma urgência febril de dividir aquele espetáculo mágico com alguns personagens que cantaram e encantaram o Rio. A primeira aparição foi de Millôr, que veio correndo pela areia, como sempre fazia. Passou pelo largo que agora leva o seu nome, subiu até onde eu estava e repetiu uma de suas geniais definições: “O pôr do sol é de quem olha”.
Em seguida, foi a vez de Tom e Vinicius, que atravessaram o Parque Garota de Ipanema carregando o violão. Tinham acabado de acordar, após uma longa noite de boemia. Finalmente, vindo de Copacabana, chegou Oscar Niemeyer, trazendo nos olhos as curvas das mulheres e dos morros cariocas com que fez sua arquitetura.Como não podia deixar de ser, a conversa girou em torno dessa cidade solar, sensual, exibida que nasceu para ser musa. Falou-se principalmente do narcisismo de quem desde pequena se habituou aos elogios.
Era ainda uma criança quando um de seus adoradores, o primeiro governador-geral Tomé de Souza, se desmanchou: “Tudo é graça o que dela se pode dizer”. Alguém lembrou que até os religiosos lançaram sobre ela olhares profanos: “É a mais airosa e amena baía que há em todo o Brasil”, suspirou o padre Anchieta, inteiramente catequizado. Seu colega da Companhia de Jesus, o padre Fernão Cardim, sentiu o mesmo: “É coisa fermosíssima e a mais aprazível que há em todo o Brasil”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comente! Seja bem-vindo!